Alby Azevedo (*)
Historicamente, os pagamentos cross-border dependiam de bancos intermediários e da rede Swift (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), apresentando várias limitações. Os custos eram altos devido à multiplicidade de intermediários e à complexidade do processo. Além disso, o tempo de processamento era longo, muitas vezes demorando dias para a liquidação das transações, e a complexidade regulatória tornava o processo ainda mais burocrático.
Com o avanço da tecnologia, novas soluções começaram a emergir. A introdução da internet e dos sistemas de pagamento online simplificou parte do processo, mas os desafios persistiram. As fintechs, que emergiram no Brasil graças ao avanço tecnológico e uma postura pró-inovação no mercado e na regulação adotada pelo Banco Central, começaram a oferecer alternativas mais rápidas e econômicas a fim de reduzir os custos e o tempo de transação. No entanto, essas soluções ainda dependiam, em grande medida, da infraestrutura bancária tradicional.
O verdadeiro ponto de virada veio com a introdução da tecnologia blockchain. As criptomoedas, como o Bitcoin, demonstraram o potencial de realizar transações transfronteiriças sem a necessidade de intermediários. No entanto, a volatilidade das criptomoedas impedia sua adoção generalizada para pagamentos cotidianos. Com a tecnologia blockchain, surgiram também os contratos inteligentes, que ajudaram a revolucionar o mundo financeiro global e, com ele, também os pagamentos cross-border.
A primeira fase da mudança neste setor foi a criação das stablecoins, criptomoedas projetadas para manter um valor estável ao serem lastreadas por ativos como moedas fiduciárias ou commodities. As stablecoins proporcionaram a velocidade e a eficiência das criptomoedas tradicionais, mas com a estabilidade necessária para utilização em transações comerciais regulares.
De acordo com um relatório do Banco de Compensações Internacionais (BIS), as stablecoins, especialmente as stablecoins lastreadas em dólares, têm o potencial de incorporar instrumentos monetários robustos em ambientes digitais, transformando assim o cenário das transações online. O BIS destaca que as stablecoins podem oferecer novas formas de troca on-line por meio de sua disponibilidade 24 horas por dia, 7 dias por semana, natureza sem fronteiras e integração com serviços não financeiros, colocando desafios aos métodos tradicionais de pagamento digital, como transferências bancárias e cartões de crédito.
Mercado de luxo
Essa revolução nos pagamentos com o uso de blockchain e contratos inteligentes não está restrita apenas ao cross-border ou a inovações na emissão de moedas fiduciárias digitais: ela alcançou e também vem transformando o mercado de luxo, que deve movimentar US$ 350 bilhões em 2024, de acordo com o relatório da Bain & Company.
A evolução dos tokens no mercado de luxo é um fenômeno que tem alterado a forma como bens de alto valor são comercializados, autenticados e colecionados. Os primeiros sinais de adoção de tokens no mercado de luxo surgiram ainda em 2017, quando marcas de luxo regionais começaram a aceitar pagamentos em criptomoedas e a entender como integrar essas novas tecnologias para impulsionar seus negócios.
No entanto, a grande revolução veio com a Gucci, em 2021, quando a renomada marca lançou um NFT intitulado Aria, um filme inspirado na sua coleção homônima. O NFT foi vendido em um leilão na Christie’s por US$ 25 mil. Esse movimento fez da Gucci a pioneira entre as grandes marcas a explorar o potencial dos tokens não fungíveis, combinando a exclusividade do mercado de luxo com a inovação tecnológica dos NFTs.
No mesmo ano, a Gucci lançou uma coleção de sapatos virtuais vendidos como NFTs, para que os consumidores pudessem ter um item de moda exclusivo no mundo digital. Da mesma forma, a marca de relógios de luxo Jacob & Co. criou o NFT de um relógio que foi leiloado por um preço recorde, combinando o valor tangível do produto físico com a inovação digital.
Seguindo o sucesso da Gucci, em agosto de 2021, a Burberry lançou uma coleção de NFTs chamada Burberry Blankos, em parceria com o jogo Blankos Block Party. Essa coleção era composta de acessórios digitais e personagens jogáveis e exclusivos. Em setembro daquele ano, foi a vez da Dolce & Gabbana lançar a coleção Collezione Genesi, composta por nove NFTs vendidos em um leilão. Essa coleção incluía tanto itens físicos quanto digitais, combinando moda de alta-costura com a inovação dos NFTs.
Ainda em 2021, a Louis Vuitton introduziu um jogo mobile chamado Louis: The Game, que permitia aos jogadores coletar NFTs comemorativos ao 200º aniversário de nascimento do fundador da marca, Louis Vuitton. Já a Balmain lançou sua primeira coleção de NFTs em parceria com a plataforma de marketplace digital MintNFT, que incluiu uma série de itens digitais exclusivos. Já a marca de joias Tiffany & Co. lançou NFTs que estão vinculados a pendentes físicos em sua linha de produtos CryptoPunk.
Liderando esse movimento, a Gucci também esteve na vanguarda da transformação digital, sendo a primeira marca de luxo a construir sua própria loja no metaverso, em 2021. Depois, várias outras marcas de luxo seguiram o exemplo ao explorar esse novo e promissor mercado digital. A Gucci lançou a Gucci Vault Land na plataforma The Sandbox, uma loja conceitual que exibe peças raras e vintage da marca e visa educar a comunidade Web3 sobre o seu patrimônio através da gamificação.
Outra marca que rapidamente adotou o metaverso foi a Balenciaga, que se juntou ao jogo Fortnite em 2021, criando uma coleção de roupas e acessórios digitais que os jogadores podiam comprar e usar dentro do jogo. Essa parceria inovadora permitiu que a Balenciaga alcançasse um público mais jovem e tecnicamente engajado.
A Ralph Lauren, por sua vez, inaugurou uma loja no metaverso em parceria com a Zepeto, uma plataforma de mídia social 3D. A loja permite que os usuários comprem roupas digitais para seus avatares, oferecendo uma experiência de compra imersiva e interativa que combina moda e tecnologia.
Embora o mercado de NFTs tenha esfriado com a chegada do bear market em 2022 e 2023, a inovação continuou com a integração dos tokens em programas de fidelidade e recompensas. Marcas de luxo começaram a emitir tokens como parte de suas estratégias de marketing, permitindo que os clientes acumulassem pontos digitais que podiam ser trocados por produtos ou experiências exclusivas.
Chegando a 2024, os tokens se tornaram uma parte integral do mercado de luxo. A tecnologia evoluiu para permitir a tokenização de praticamente qualquer ativo, desde imóveis de luxo até carros de colecionador. Os chamados tokens RWA estão revolucionando o setor. Um exemplo recente é a BerKim, uma marca de luxo da Malásia, que lançou tokens RWA de ativos reais, democratizando o acesso ao patrimônio da moda de luxo. A Tiamonds também se destacou ao permitir investimentos no mercado exclusivo de diamantes através de tokens, oferecendo certificados de autenticidade e tokens únicos (TIA), que proporcionam descontos na compra de diamantes reais.
O projeto Galileo Protocol está criando um marketplace multi-chain que conecta marcas de luxo, artistas e investidores, facilitando a tokenização de RWAs de diversas áreas, incluindo arte e bens de luxo. Além disso, a plataforma Ondo Finance oferece produtos tokenizados que conectam DeFi a ativos tradicionais, como Tesouro dos EUA, criando uma ponte entre o setor financeiro tradicional e o emergente mercado de criptoativos.
A evolução dos tokens no mercado de luxo, desde os primeiros adeptos, tem sido uma jornada de inovação contínua. A integração de tecnologia blockchain e NFTs transformou a maneira como os produtos de luxo são autenticados, comercializados e colecionados. À medida que a tecnologia continua a avançar, é provável que vejamos ainda mais mudanças disruptivas que redefinirão o mercado de luxo nos próximos anos.
(*) Fundador da Alby Foundation, uma organização dedicada a promover projetos de tecnologia, inovação e bem-estar através do design.