Luis Claudio Allan (*)
No início deste ano, após esperar muito para realizar como o cenário da pandemia iria se desenrolar, tomei a decisão que vinha matutando já há algum tempo: fechar nosso escritório em São Paulo. O uso dessa expressão “fechar” costuma implicar uma má notícia, a interrupção dos trabalhos ou fim do ciclo da empresa. Não era este o caso.
A realidade é que decidi cerrar as portas do nosso endereço comercial na Vila Mariana, mas abri outras 12 filiais espalhadas pela capital paulista, interior e litoral com nosso time seguindo com suas rotinas em casa como temos feito desde março de 2020. Ao invés de 1 office temos agora 12 home offices.
Quando a pandemia se abateu sobre nós, há pouco mais de um ano, o mundo corporativo entrou em um turbilhão de mudanças, das quais uma das mais destacadas e inevitáveis foi o trabalho remoto. Especialmente em atividades criativas e que dispensam a presença em um local geográfico determinado para serem realizadas, o home office faz todo sentido.
Só dá para envasar cervejas em uma fábrica, mas escrever um texto, fazer uma videoconferência com um cliente ou conversar com um jornalista sobre alguma novidade dos meus clientes é algo que pode ser feito de qualquer lugar, inclusive aqui de Ubatuba, onde estou agora trabalhando do meu beach office.
Questões como estrutura de rede, equipamentos específicos e outras são pontuais e, dependendo do tipo de negócio, impactam mais ou menos o cotidiano de produção dos funcionários. É impressionante como ficamos “viciados” no velho esquema de 40 horas semanais com jornadas de 9h às 18h e intervalo para 1 hora de almoço e descanso. Ele fazia muito sentido no tempo de Henry Ford para as linhas de montagem.
E hoje? A experiência tem provado que não. No exterior, já faz alguns anos as empresas começaram a descobrir que a flexibilização do horário de trabalho poderia ser uma boa ideia. Em vez de bater ponto, metas objetivas a serem alcançadas dão mais liberdade para os indivíduos equilibrarem da forma que julgarem mais adequada sua rotina pessoal com a profissional.
O passo seguinte foi fazer uma readequação das equipes, passando a tratar os talentos como ativos, que podem compor o capital intelectual da empresa ou funcionarem como uma extensão do time interno. Nascia assim a “Open Talent Economy”, já ouviu falar? Um estudo da consultoria Deloitte delineou em 2013 o ambiente de trabalho ao qual chegamos hoje. Nele são listadas as seguintes formas de estrutura organizacional dentro da Open Talent Economy.
Além do funcionário em tempo integral, a empresa passa a contar com:
• Partnership talent: colaboradores que, de alguma forma, participam do negócio.
• Borrowed talent: os terceirizados.
• Freelance talent: profissionais independentes contratados por projeto.
• Open source talent: pessoas que não trabalham para a empresa, mas que integram a cadeia de valor ou ecossistema da organização. Podem ser, por exemplo, profissionais que fazem parte de uma comunidade com a qual a empresa se relaciona e que eventualmente auxiliam no aperfeiçoamento de produtos e serviços por meio de reviews e feedbacks .
Do ponto de vista gerencial, custa caro para uma empresa manter uma estrutura dimensionada para o topo da demanda, especialmente em se tratando de áreas mais especializadas. Para a nova geração de profissionais, não existe a expectativa de um emprego formal que dure toda a extensão da sua carreira.
Se no tempo do meu pai ter vários empregos era sintoma de um profissional instável que não “deslanchou” na carreira, hoje é o contrário. É raro aquele que faz seu nome no mercado trabalhando em um único lugar. Gente assim, muitas vezes, é chamada de acomodada.
Nos EUA, cerca de 40% da mão de obra já funciona dentro da lógica da Open Talent Economy. Por aqui, ainda é um debate incipiente, mas com muito espaço para crescer agora, especialmente depois da pandemia. É bom lembrar que, para funcionar direito, serão necessárias reformas em certas questões burocráticas e o estabelecimento de um modelo sólido que atenda às empresas de acordo com a demanda sem, no entanto, deixar o profissional independente à própria sorte.
A open talent economy está ancorada então em sete tendências:
• Tecnologia: as pessoas podem aprender, compartilhar e trabalhar de qualquer lugar. Os avanços na velocidade, no armazenamento e poder computacional tornaram possível a colaboração em tempo real e escala global para qualquer disciplina de conhecimento.
• Mobilidade: O talento hoje não está preso à localização geográfica.
• Transformação: A demanda é volátil, os ciclos de inovação cada vez mais curtos, gerando a necessidade de novas habilidades. Como é difícil fazer previsões, fica difícil montar um time fixo que esteja atualizado sempre, o que obriga a buscar talentos para além dos limites da empresa.
• O contrato social: empregadores e empregados se afastam do modelo tradicional de trabalho em busca de flexibilidade e adaptabilidade.
• Rede dinâmica: esperamos feedback imediato, bem como colaboração e compartilhamento de informações; estamos evoluindo da estrutura hierárquica rígida para uma rede dinâmica e horizontal.
• Aprendizado contínuo: os países emergentes avançaram em educação, seja em instituições de ensino ou programas online, gerando um pool de talentos de escala global.
• O marketplace de talentos: novas plataformas dão acesso ao mercado open talent, mantendo o custo da transação baixo, reduzindo os riscos ao mesmo tempo em que gera eficiência para as companhias e profissionais independentes, o que viabiliza relações de trabalho mutuamente benéficas.
Um trimestre depois da decisão de fechar o escritório, posso dizer que a produtividade não caiu, bem ao contrário. Além de preservarmos nosso time de se arriscar circulando pela cidade, colaborando com o esforço de saúde pública, a desvinculação geográfica da empresa facilitou a descoberta de talentos em outras cidades, Estados (acabamos de contratar um talento do Rio) e até mesmo em outros países (integramos um freelancer brasileiro que está morando em Portugal).
A open talent economy parece ser o curso natural para o mundo do trabalho baseado em conhecimento, grau de expertise e capacidade de fornecer condições (por parte da empresa) para uma entrega de qualidade que gere real valor para a sociedade.
E você? Vai embarcar nessa ou prefere ficar pra trás e se limitar ao velho modelo industrial?
(*) – É CEO da FirstCom Comunicação, CEO da People2Biz e presidente do Instituto Crescer.