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Resíduos urbanos: quando a tecnologia passa a ser uma questão de saúde pública?

em Destaques
terça-feira, 15 de março de 2022

Rogério Fujimoto (*)

Ao final de 2021, o mundo gerou cerca de 2 bilhões de toneladas de lixo conforme levantamento do programa ONU Habitat, das Nações Unidas. O mesmo documento sugere que este volume dobre até o final de 2050, em razão do aumento da produção industrial e agrícola a fim de atender a demanda crescente de consumo. O grande vilão continua sendo o plástico.

Só no Brasil, foram 11,5 milhões de toneladas descartadas em 2019. O País é o quarto maior produtor de lixo plástico do mundo, atrás somente da China, EUA e Índia, segundo pesquisa “Solucionar a Poluição Plástica: Transparência e Responsabilização”, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). O impacto negativo do plástico sobre a economia mundial, especialmente em setores como o turismo, pesca e comércio marítimo, supera os US$ 8 bilhões.

Ao lado do plástico, o novo “lixo eletrônico” preocupa os ambientalistas. Dados do relatório Global eWaste Monitor 2020 revelam que foram gerados 53,6 milhões de toneladas desse tipo de rejeito — computadores, impressoras, celulares, smartphones, TVs, refrigeradores, máquinas de lavar etc. — em 2019, um recorde histórico. Deste total, apenas 17,4% foram reciclados, revelando que os países ainda não contam com sistemas de coleta e tratamento específicos para este tipo de material.

Na América Latina, a situação pede atenção: somente 3% de todo o lixo eletrônico produzido pelos 13 países monitorados no estudo da Universidade das Nações Unidas e do UNITAR — o Instituto para Pesquisa e Treinamento da ONU –, recebem coleta e tratamento adequados. O prejuízo financeiro associado a esta carência foi de US$ 1,7 bilhão em matérias primas secundárias de valor — como ouro, cobre, alumínio e metais de terras raras — contidas nestes equipamentos e que poderiam, mas não foram reaproveitadas.

Para tornar a gestão dos resíduos mais eficiente, companhias privadas e órgãos públicos têm utilizado cada vez mais as tecnologias como IoT, robôs com inteligência artificial e plataformas de gestão de dados, para o enfrentamento deste que é considerado um dos principais desafios do século.

Entre as vantagens provenientes desta nova visão estão o aumento do percentual reciclável sobre o volume descartado; mais transparência aos processos de cobrança com sistemas “pay-as-you-throw”; melhor identificação sobre o tipo de material utilizado nos produtos para facilitar a triagem e destinação; eliminação do papel nos processos administrativos a partir a digitalização dos registros e procedimentos relativos.

A utilização destas ferramentas tecnológicas ajuda ainda os países a conquistarem um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável elaborado pela ONU — o de número 11, que trata da construção de cidades e assentamentos humanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Conforme demonstrado no relatório European Topic Centre on Waste and Materials in a Green Economy (ETC/WMGE), as tecnologias que mais têm contribuído para um aumento da performance na gestão e capacidade de reciclagem dos resíduos são:

  1. – Robotização – Avanços em processos de triagem a partir da automação permitem produzir fluxos de resíduos definidos por tipos de materiais e qualidade dos rejeitos, elevando em até 90% a pureza do volume a ser reciclado. São robôs aptos a identificar e separar descartes sólidos a partir de sensores de reconhecimento por imagem, escaneamento de QR Code e sistemas de inteligência artificial que podem ser usados, por exemplo, no desmantelamento de aparelhos eletrônicos e celulares.
  2. – AI e redes neurais – O machine learning a partir de redes neurais abastecidas por dados ou exemplos de soluções de problemas sem programação prévia, tem sido usado para classificar e definir padrões de reconhecimento dos resíduos, elevando a eficiência da triagem. Máquinas autônomas de varrição de ruas e caminhões de coleta de lixo já utilizam este tipo de recurso.
  3. IoT – Sistemas de sensores inteligentes e conectados têm sido implantados em contêineres e cestos de lixo para obter dados em tempo real sobre a temperatura interna dos recipientes, capacidade de espaço utilizada, peso total e nível de odor. Estas informações são enviadas a um centro de dados para determinar a logística ideal de substituição ou esvaziamento destes equipamentos, otimizando o serviço de limpeza.
  4. Data Analytics – A análise de dados realizada em infraestruturas de TI dedicadas cumpre um papel fundamental para a aprimorar processos na indústria de reciclagem e na elaboração de políticas públicas de gestão dos resíduos. Esta tecnologia colabora na identificação de padrões, na descoberta de tendências e na calibragem de modelos de atuação.

Este conhecimento é importante para avaliar as diferentes opções e estratégias na busca pela transição para uma economia mais sustentável. Mais diretamente, atua no suporte dos planos de trabalho dos veículos e equipes de limpeza; na avaliação dos sensores necessários para otimizar o gerenciamento de resíduos em plantas industriais, hospitalares ou agrícolas; no controle das usinas de incineração; e na orientação precisa dos drones usados para coletar dados em depósitos de lixo.

Portanto, seja sob o ponto de vista econômico, social ou ambiental, o emprego de tecnologias digitais na gestão de resíduos tem se revelado uma estratégia win-win, onde todos ganham: as cidades, que se tornam mais limpas e com mais qualidade de vida para os seus habitantes; as empresas, que passam a endereçar melhor seus materiais contaminantes; e, sobretudo, o planeta, que aumenta a sua esperança por um futuro mais sustentável.

(*) – É Chief Operating Officer na green4T (https://www.green4t.com/).