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Realidade Aumentada auxilia profissionais da Saúde a observar o que ninguém mais pode ver

em Destaques
quinta-feira, 01 de outubro de 2020

Gautam Goswami (*)

Em 2016, a Realidade Aumentada (RA) tornou-se popular em todo o mundo com o jogo viral para smartphone Pokémon Go, no qual os jogadores procuravam Pokémons virtuais em ambientes do mundo real usando a câmera do celular. De lá para cá, o uso de RA cresceu e foi muito além das plataformas recreativas e de jogos, chegando a muitas aplicações práticas com notáveis benefícios em uma variedade de ambientes industriais e com uma profundidade de visualização incomparável para o setor da Saúde.

Graças à tecnologia é possível ver, em tempo real, o mundo material sobreposto com imagens geradas por computador para observações compostas extremamente aprimoradas. Os objetos podem, por exemplo, ser sobrepostos ao vivo em visualizações de telas de câmeras de smartphones e tablets a óculos inteligentes e capacetes de última geração equipados para fornecer aos usuários maior envolvimento, sem o uso das mãos, no controle de interfaces em sistemas e aplicativos.

Em 2019, de acordo com uma análise do Journal of Med Internet Research (JMIR), o campo de Realidade Aumentada já havia sido bem pesquisado, apontando forte tendência no uso de RA em aplicações no setor da Saúde. O mesmo artigo, porém, pontuava que a utilização no campo da Medicina ainda se encontrava em estágios iniciais e não havia sido, ao menos no ano passado, amplamente adotada na prática clínica convencional.

Ainda assim, há um número crescente de casos em que a Realidade Aumentada vem sendo aplicada com sucesso por pioneiros no setor de Saúde na execução de linhas de trabalho altamente especializadas. Um dos primeiros campos a estabelecer inúmeros precedentes foi a Neurocirurgia, que tem estado na vanguarda das intervenções cirúrgicas guiadas por imagem e continua a expandir as fronteiras da tecnologia RA na sala de cirurgia.

Em 1998, o uso de RA foi demonstrado em aplicações endovasculares. Quatro anos depois foi desenvolvido o primeiro endoscópio neurocirúrgico. Em 2016, a maioria das publicações, incluindo o Canadian Journal of Neurosciences, discutia o uso da tecnologia em neurocirurgias para ressecção de tumores, enquanto outros descreviam a utilização em cirurgias neuro vasculares abertas, procedimentos na coluna vertebral, localização de cateteres ou sondas e ressecção cortical em epilepsia.

A RA também já ajudava cirurgiões com visualizações detalhadas e maximizadas das estruturas venosas superficiais e profundas do corpo humano. A tecnologia foi igualmente extremamente útil para aneurismas envolvendo trajetórias incomuns ou ramificações ocultas. Em cirurgias de tumores na base do esqueleto, por exemplo, sobreposições de dados volumétricos via RA reduziram de 40 a 50% os índices de ocupação de leitos em unidades de terapia intensiva e o tempo de internação dos pacientes, em comparação com casos de operações sem RA.

A Realidade Aumentada abarca ainda outras tantas e inúmeras aplicações clínicas. Com o início da Covid-19, a tecnologia ganhou espaço em telemedicina – principalmente ao proporcionar aos profissionais da Saúde a possibilidade de detectar, analisar e instruir à distância, ajudando a ampliar o alcance de atendimento de médicos especializados em locais mais remotos, mesmo que pacientes e médicos estejam em diferentes pontos do planeta.

A RA tem sido utilizada também com sucesso para triagem eletrônica de pacientes em situação de acidentes, ajudando a orientar residentes de Ortopedia na realização de cirurgias artroscópicas em ombros e a treinar novatos para realização de ultrassom no local de atendimento. Outro artigo de 2019, também publicado no JMIR, descreve como – com uso de apenas um iPad equipado com software de Realidade Virtual e Aumentada – médicos em Birmingham, Alabama (USA) ajudaram médicos em procedimentos neurocirúrgicos do outro lado do mundo, em Saigon, hoje Ho Chi Minh City, no Vietnã.

É fato que paramédicos e outros profissionais de saúde sobrecarregados pelas demandas da pandemia do coronavírus passaram a buscar soluções remotas para ajudar doentes e companheiros de profissão quando não era possível viajar. E, convenhamos, a RA é particularmente talhada para a transferência de conhecimento em tempo real e sem barreiras geográficas entre médicos.

Em hospitais e outros ambientes clínicos, a RA tornou-se instrumental para suporte remoto, permitindo que técnicos e equipes no local obtenham ajuda especializada necessária para instalação, configuração, manutenção, solução de problemas e reparo de equipamentos hospitalares sensíveis e especializados. Fora dos hospitais, os aplicativos de RA ajudam, por exemplo, a encontrar os desfibriladores externos automatizados (DEAs) mais próximos dos locais de atendimentos, mostrando a localização exata dos equipamentos. É possível até fornecer animações que mostram aos pacientes como funcionam os medicamentos dentro do corpo.

A Realidade Aumentada é também extremamente valiosa como ferramenta de ensino. O aprendizado médico é altamente complexo, realizado quase sempre no local de trabalho com instruções envolvendo todos os tipos de variações possíveis. Por conta disso, aprender como se estivesse em um PS – literalmente sentindo e integrando novas experiências com o conhecimento existente – é um requisito contínuo.

Ela pode ajudar na criação de um ambiente de aprendizagem muito semelhante ao ambiente de trabalho profissional, ou seja: altamente interativo e com feedback imediato ao aluno. Com a potencialização de tamanho das imagens, o invisível torna-se visível, dando ao estudante a possibilidade de simular aspectos dimensionais, táteis e de relevância para a realização da tarefa no mundo real.
Inclusive, vários sistemas de RA foram desenvolvidos especificamente para o ensino de Anatomia, incluindo para uso em aulas de graduação.

Eles envolvem hardware relativamente barato, fornecem um contexto mais significativo do que os livros didáticos e baseiam suas visualizações em materiais da vida real. Os tópicos de ensino incluem dinâmica pulmonar, habilidades laparoscópicas, planejamento cirúrgico, eletrocardiogramas, ultrassom e cirurgia artroscópica, entre outras especialidades. “A aprendizagem apoiada pela tecnologia RA permite aprendizagem situada colaborativa e onipresente”, observaram os autores de mais um artigo de jornal sobre o assunto.

“Ela proporciona uma sensação de presença, imediatismo e imersão”, acrescentam, sugerindo benefícios para o médico durante o processo de aprendizado. Mesmo assim, a RA é relativamente nova e suas aplicações médicas – embora promissoras – não se estabeleceram integralmente como ferramentas indispensáveis na área da Saúde. Mas note que eu disse ‘ainda’. E a razão é simples.

À medida que o uso inovador da Realidade Aumentada prova seu valor em um número crescente de procedimentos que salvam vidas, podemos afirmar sem sombra de dúvida que a tecnologia de RA está prestes a alcançar um nível de aceitação generalizada na comunidade médica.

(*) – É CMO e EVP global de Marketing & Produtos da TeamViewer (www.teamviewer.com).