
Por Zilda Del Prette, PhD, Mestre e Doutora em Psicologia e Professora Universitária com mais de 40 anos de experiência
A proibição do uso de celulares nas escolas é uma medida que tem gerado debates acirrados e desafios para pais, professores e alunos. Quando analisamos essa questão sob a ótica das habilidades sociais e do desenvolvimento socioemocional, temos que reconhecer tanto os desafios como as oportunidades que se abrem com essa medida e descobrir formas de ajudar as escolas, os professores e os alunos a lidarem de construtivamente tanto com esses desafios como com essas oportunidades.
Os desafios e reações negativas vêm principalmente dos alunos, mas também de parte dos professores. Os alunos, especialmente os adolescentes que já vinham utilizando o celular, resistem a essa restrição e certamente são os mais descontentes, podendo até mesmo se tornar agressivos entre si e com os professores. Os casos mais graves de ansiedade e depressão na descontinuidade do celular também precisam ser considerados. Entre os professores, pode haver tensão e posicionamentos contrários, especialmente daqueles que vinham utilizando o celular como ferramenta adicional de ensino e daqueles que se sentem um tanto vulneráveis para eventuais confrontos com os alunos.
Lidar com esses desafios requer muitos cuidados da escola e dos educadores na implantação da medida e, em particular, o esclarecimento geral de todos em torno dos objetivos e benefícios que a medida pode trazer. Mas como fazer isso?
Antes de tudo é importante reconhecer os benefícios e objetivos, explícitos ou não, que poderiam ser amplificados com essa proibição de celulares. Eu vou focar mais especificamente nas questões relativas a habilidades sociais e desenvolvimento socioemocional e nos possíveis impactos sobre as metas da escola em termos de desenvolvimento e aprendizagem.
Primeiro de tudo, temos que reconhecer que os celulares de fato reduziram a qualidade das interações presenciais e vem afetando o desenvolvimento socioemocional das novas gerações. Já existem pesquisas mostrando isso, inclusive com foco na transição entre o uso e a suspensão de celulares na escola. Falando dos benefícios, temos que reconhecer que a proibição do uso de celulares, se bem implantada e gerenciada, pode abrir espaço para reverter os desfechos negativos do uso excessivo de celular pelos jovens (e até crianças, o que é mais grave).
Eu vou destacar aqui alguns exemplos importantes e, inclusive, alinhados com a política nacional da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que podem ser melhor exploradas a partir dessa medida.
- Estimular a comunicação face a face, ampliando as oportunidades para o aperfeiçoamento e a prática de habilidades sociais como iniciar e manter conversas, fazer amizades e, principalmente a empatia e a expressividade emocional, tão mais afetadas pela comunicação virtual. Mesmo atividades pedagógicas como trabalhos de grupo podem se beneficiar com a presença real e a redução de distrações dos alunos.
- Reduzir comportamentos de exclusão, tanto daqueles que são excluídos como dos que se autoexcluem mergulhando no mundo virtual e em jogos online. A falta de celular pode criar mais oportunidades de inclusão.
- Evitar conflitos e desenvolver habilidades para resolvê-los, já que comentários negativos, críticas e bullying, tão presentes no contexto virtual, podem ser gerenciadas mais diretamente, com mediação de professores e colegas.
- Melhorar a regulação emocional. Muitos adolescentes usam o celular para evitar lidar com emoções desconfortáveis (como tédio ou ansiedade). Sem o celular, eles podem aprender a regular essas emoções de forma mais saudável, utilizando estratégias como conversas ou práticas apoio mútuo. Além disso, enquanto o uso do celular pode até ter facilitado os encontros afetivos que os adolescentes começam a buscar, a falta do celular vai requerer habilidades mais refinadas de aproximação e abordagem, bem como outros comportamentos de ensaio de relacionamentos afetivos.
Mas para alcançar todos esses resultados, certamente a escola vai ter que investir na qualidade da implantação dessa medida por meio de uma abordagem que também requer habilidades sociais dos educadores e gestores da escola.
Confira aqui algumas sugestões:
- Compreensão e empatia quanto à resistência à proibição, dando voz aos alunos para que expressem suas insatisfações e demonstrando empatia com a dificuldade de todos nós em lidar com mudanças, ao mesmo tempo fazendo-os entender que mudança é sempre também uma oportunidade de coisas novas.
- Incluir os adolescentes nas decisões, gerando momentos de conversa em grupo sobre como lidar com cada uma das dificuldades, sobre a criação das regras para o uso do celular e sobre alternativas para a aceitação e compromisso com a nova política.
- Psicoeducação sobre habilidades sociais (oficinas, palestras para professores e alunos, sobre os benefícios e oportunidades da nova situação).
- Criação de momentos de interação estruturada, como rodas de conversa, debates e jogos cooperativos que reforcem a comunicação e o trabalho em equipe.Aproveitar esses momentos para encaminhar soluções dadas pelos alunos para lidar produtiva e criativamente com momentos coletivos sem celular (por exemplo, no intervalo ou recreio com jogos, gincanas e outros projetos).
- Capacitação dos professores para lidarem com os conflitos e resistências e, principalmente para ajudar os alunos a desenvolverem as habilidades que vão ser mais requeridas nessa situação.
- Comunicação transparente com os alunos, explicando claramente os objetivos da proibição, mostrando que não se trata de punição, mas de proteção e oportunidade para o desenvolvimento pessoal e socioemocional deles.
- Incluir os pais, dando oportunidade para serem ouvidos e para apontarem alternativas que melhorem ainda mais a implementação dessa medida. Isso significa tornar os pais também parceiros dessa empreitada.
Para concluir eu entendo que a proibição do uso de celulares nas escolas é um desafio que certamente vai ser maior nessa etapa de mudança, mas que pode criar oportunidades valiosas para o desenvolvimento socioemocional e das habilidades sociais dos alunos, desde que implementada de forma cuidadosa, com diálogo e estratégias educativas.
Em vez de apenas restringir, é importante transformar essa medida em um meio para incentivar interações saudáveis, fortalecer vínculos e preparar os jovens para os desafios da vida em sociedade.