Frederico Amaral (*)
Profissionais que atuam na área tributária têm oportunidades a todo momento. Em virtude da complexidade da legislação, empresas cometem equívocos rotineiramente, o que abre margem para revisões fiscais, consultorias para conformidade tributária e, se detectados recolhimentos indevidos ou a maior, fazer a recuperações de créditos.
Ocorre que nem só os contribuintes cometem falhas; a Administração Pública edita inúmeras normas inconstitucionais, instituindo cobranças tributárias que podem ser questionados no Poder Judiciário.
Foi o que aconteceu com a publicação da MP 1.118/2022, que modificou a Lei Complementar 192/2022, retirando o direito dos consumidores de óleo diesel, biodiesel, querosene de aviação e GLP, sujeitos à alíquota zero, aproveitarem créditos do PIS/Pasep e da Cofins vinculados a essas operações.
Vamos entender melhor a questão: em 11 de março de 2022 entrou em vigor a Lei Complementar n° 192, dispondo em seu artigo 9° que as alíquotas do PIS/Pasep e da Cofins do óleo diesel, biodiesel, querosene de aviação e GLP ficariam reduzidas a 0 (zero) até 31 de dezembro de 2022.
Este mesmo artigo garantiu às pessoas jurídicas da cadeia, incluído o adquirente final, a manutenção dos créditos vinculados. Entretanto, em 17 de maio de 2022, foi editada a MP nº 1118/22, revogando a manutenção dos créditos nas operações com os referidos produtos.
Inconformada, a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) protocolou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 7181), questionando a MP nº 1118/22 junto ao STF, alegando que a majoração indireta de tributo, inclusive mediante a revogação de benefício fiscal, deve se submeter às regras constitucionais da anterioridade nonagesimal, ou princípio da noventena, segundo o qual os entes públicos somente podem cobrar um tributo após o período de 90 (noventa) dias contados da publicação da lei que o estabeleceu ou o aumentou.
O ministro Dias Toffoli, em 7 de junho de 2022, julgou liminarmente esta ação direta de inconstitucionalidade e, por conta da possibilidade de aumento de tributo, decidiu que os consumidores teriam o direito aos créditos por um prazo de 90 dias da publicação da MP 1.118. Esta liminar foi confirmada pelo Plenário Virtual do STF, em 21 de junho de 2022.
Importante salientar que as medidas provisórias têm força de lei desde a edição e valem por até 120 dias. Se não forem aprovadas pela Câmara e pelo Senado nesse período, ou se forem rejeitadas, perdem a validade. Foi o que ocorreu: a MP nº 1118/22 aguardava votação no Senado e perdeu a validade em 27 de setembro de 2022. Caso o Congresso Nacional não discipline, por decreto legislativo, as relações jurídicas do período em que a MP nº 1118/22 esteve em vigor, as relações jurídicas durante a vigência da norma permanecem regidas pelo teor da medida provisória, ou seja, as empresas perdem o direito aos créditos de PIS/Pasep e COFINS nas aquisições de óleo diesel, biodiesel, querosene de aviação e GLP.
Para completar o imbróglio, em 23 de junho de 2022 foi publicada a Lei Complementar nº 194, mantendo a revogação dos créditos de PIS/Pasep e Cofins nas aquisições de diesel, biodiesel, querosene de aviação e GLP, exceto para as empresas que utilizam estes combustíveis como insumo. Estes contribuintes passaram a fazer jus aos créditos presumidos de PIS/Pasep e Cofins em relação à aquisição destes combustíveis, de 11 de março de 2022 a 31 de dezembro de 2022.
Ou seja, a situação ficou resolvida para quem utiliza diesel, biodiesel, querosene de aviação e GLP como insumo, como é o caso das indústrias e do setor de transportes, dentre outros. Mas os revendedores da cadeia, como os postos de combustíveis que, pela literalidade da redação original, poderiam se aproveitar do crédito, tiveram seu direito expressamente vedado.
Assim, resta a estes contribuintes (postos de combustíveis) discutir o princípio da anterioridade nonagesimal para que a vedação ao aproveitamento dos créditos de PIS/Pasep e Cofins nas aquisições de diesel, biodiesel, querosene de aviação e GLP entre em vigor somente após o período de 90 (noventa) dias contados da publicação da MP nº 1118/22 ou, como defendem alguns, da Lei Complementar nº 194.
No primeiro caso, o crédito presumido de 9,25% seria aproveitado de 11 de março de 2022 (data de publicação da Lei Complementar n° 192/22) até 15 de agosto de 2022. Já no caso de se considerar a noventena a partir da a LC nº 194, o aproveitamento iria até 21 de setembro de 2022. Ressalte-se que cada empresa, juntamente com seu corpo jurídico, deverá avaliar a forma de buscar os referidos créditos, se pela via administrativa ou judicial.
É bom lembrar que, como não há uma decisão em repercussão geral sobre o tema no STF, ainda existe espaço para a Receita Federal glosar o crédito, o que implica na aplicação de uma multa que pode chegar a 75% do valor.
Independentemente do procedimento a ser adotado, os postos de combustíveis estão sendo favorecidos com o entendimento do STF, visto que a vedação ao aproveitamento dos créditos nas aquisições de diesel, biodiesel, querosene de aviação e GLP configura uma majoração indireta das contribuições, devendo-se, nesse caso, respeitar a anterioridade nonagesimal prevista no parágrafo 6º do artigo 195 da Constituição Federal.
(*) – É CEO da e-Auditoria, empresa de tecnologia especializada em auditoria digital (https://www.e-auditoria.com.br/sobre/).