Luis Otávio Matias (*)
Paralisação, férias coletivas, queda nas vendas. Retratadas em muitas manchetes ao longo dos últimos dias, as expressões parecem assombrar, mais uma vez, o setor automotivo, que ainda enfrenta alguns impactos causados pela pandemia de covid-19. Continuar a produção, diante da redução no número de veículos vendidos, significaria ter muitos automóveis em estoque. Mas, tal como fantasmas, esses já tão conhecidos vilões nem sempre são verdadeiros. Só quem pode dizer isso é uma análise minuciosa dos muitos fatores envolvidos na construção do cenário econômico do Brasil atualmente.
De acordo com o boletim macro divulgado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Economia (FGV-IBRE), o PIB brasileiro “ficou estagnado no segundo semestre do ano passado e o carregamento estatístico para 2023 é próximo de zero”. Entretanto, ainda segundo dados do documento, a agropecuária tem registrado um bom desempenho, o que garante uma projeção de crescimento do PIB no primeiro trimestre. Outro item a se colocar na balança é a definição da nova política fiscal, que está em debate no governo federal e deve ser apresentada em breve ao Congresso Nacional.
Essa não é uma situação inédita em terras brasileiras. Não é uma novidade e nem deveria causar espanto ou temor exagerado. Os movimentos que têm sido realizados pelas montadoras que atuam no país são naturais e não necessariamente significam que uma crise nos espera na próxima esquina. Isso porque, hoje, há um bom estoque de automóveis disponíveis para o mercado consumidor. O que não deve haver, por ora, é um aumento desse estoque.
O informativo de novos emplacamentos divulgado pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) referente a fevereiro de 2023, por exemplo, mostra, é verdade, uma queda nas vendas, em comparação a janeiro, considerando os números totais (que englobam veículos leves, ônibus, motos etc.). Uma redução de 8,63%. No entanto, é preciso lembrar que fevereiro é um mês mais curto que o anterior, o que interfere no resultado e, consequentemente, na comparação. Se olharmos para a média por dia útil, fevereiro foi, na verdade, um mês melhor que janeiro. Além disso, no acumulado dos últimos 12 meses, o que se vê é uma alta de 13,46%.
Também é natural que a indústria automotiva registre uma pequena oscilação de mercado em um momento de taxa de juros acima dos 13%, com um novo governo apenas começando sua caminhada, além de incertezas globais com diversas causas – podemos citar entre elas o cenário pós-pandêmico, a guerra na Ucrânia, a crise financeira na Europa, com as recentes questões do Credit Suisse, e a má fase das bigtechs americanas, inclusive com a quebra do Silicon Valley Bank e do Signature Bank.
Não se trata, portanto, das trombetas do apocalipse ressoando em nossos ouvidos a melodia melancólica de uma recessão sem precedentes na história recente. Tampouco será essa a causa de problemas insolúveis para a economia nacional. Trata-se, em vez disso, de uma pequena variação negativa nas tabelas e números aos quais tanto nos apegamos para compreender as tendências de mercado e o que podemos esperar dos próximos meses e anos.
Esse acompanhamento da balança é necessário e saudável, mas não deve se tornar uma prisão em si mesmo. Precisamos nos lembrar que, além de todo o contexto que influencia as decisões das montadoras, há ainda as estratégias econômicas do próprio setor. Ao manter os estoques sob controle, os preços dos veículos novos podem se sustentar em um patamar parecido com o atual. Hoje, no Brasil, os carros populares estão em uma faixa de preço que começa em cerca de R$ 68 mil.
Seguimos, então, acompanhando toda essa movimentação, mas com a esperança de que, mais uma vez, o setor será capaz de superar o instante desfavorável e voltar a crescer com todo o potencial que nele reside.
(*) É vice-presidente da Tecnobank