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Obsessão por faturamento – uma das maiores armadilhas a evitar

em Destaques
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Sérgio Ferreira (*)

Em minhas conversas com gestores e empresários, costumo provocar uma reflexão. Quando pergunto: “E aí, como você está enxergando o ano?”, a resposta costuma ser algo parecido com “A economia está dando sinais de recuperação. Espero crescer 10% (o faturamento) em 2020”. E aqui o fator tempo – futuro/passado – não parece ser determinante.

Quando pergunto: “Como foi o mês passado para você?”, as respostas são igualmente rápidas: “Foi difícil. As vendas (faturamento) caíram 5% na comparação com o mesmo mês do ano anterior e ficaram 10% abaixo da meta (de faturamento)”. Listo alguns motivos para que você esteja atento à esta armadilha, além de propor metas mais relevantes do que o faturamento para o seu negócio:

Todo empreendedor deveria ter como meta aumentar, a cada período, o valor do seu negócio. O empreendedor (o gestor deveria ter rigorosamente a mesma visão) deveria investir pensando nos dividendos e salários ao longo da “vida” da empresa, mas também pensando em uma venda futura do empreendimento por um valor muito acima do investido inicialmente. Ou, caso opte por manter o negócio para os seus herdeiros, que a próxima geração receba como herança um negócio também muito mais valorizado do que o investimento inicial.

Qual é a relação direta entre faturamento e valor do negócio? É aqui que nasce uma das grandes armadilhas. Um negócio que vende e fatura mais, não necessariamente vale mais. Como? Uma empresa, por exemplo, pode estar aumentando o seu faturamento, mas as despesas variáveis e fixas podem estar crescendo a uma velocidade ainda maior. Ou ainda pior: uma empresa pode estar vendendo seus produtos e serviços com margens negativas. Neste caso, literalmente, quanto mais a empresa vender, pior! Quanto mais ela vende, maior será o seu prejuízo e destruição de valor para o acionista.

O que determina o aumento de valor de uma empresa é a sua capacidade de gerar lucros. O que confunde muitas pessoas é a premissa equivocada de que há sempre uma relação direta entre faturamento e lucro. Estas duas variáveis podem estar correlacionadas, mas isso não acontece por acaso. Aqui entra a expertise e gestão para assegurar que isso aconteça. Um exemplo simples (assustadoramente comum) ajuda a ilustrar uma destas situações:

Vamos imaginar um cenário hipotético de uma empresa que vende 100 peças por mês de um produto a um preço de R$ 100,00 cada. Logo, o seu faturamento anual é de R$ 120.000. Vamos estimar também que o custo de cada peça é de R$ 50,00, ou seja, ao vender as 1.200 peças no ano a empresa paga aos seus fornecedores R$ 60.000 e fica com um lucro bruto de R$ 60.000 (R$ 120.000 de vendas menos R$ 60.000 de custos), margem de 50% (R$ 60.000 / R$ 120.000).

Agora vamos para o ano seguinte com as seguintes premissas:

  • A empresa aumenta as suas vendas em unidades em 3%.
  • Diante da “forte concorrência”, a empresa não aumenta os seus preços de vendas para os consumidores finais.
  • Por outro lado, o departamento de compras “não conseguirá mais segurar” a pressão dos fornecedores e serão obrigados a aceitar um aumento no preço de compra de 5%.

Qual o resultado destas premissas, que no seu conjunto parecem razoáveis?

  1. O faturamento da empresa aumenta em 3% para R$ 123.600 no ano (boa notícia?)
  2. O custo com as mercadorias aumenta 8,1% para R$ 64.890 (efeito combinado do aumento de volume de vendas de 3% + aumento de custo do fornecedor de 5%)
  3. O lucro bruto da empresa cai de R$ 60.000 para R$ 58.710, queda de 2,2%! (margem cai de 50% para 47,5%).
  4. E ainda não falamos sobre as despesas fixas (aluguéis, salários, etc.) que em muitos casos, superam inclusive os índices da inflação como um todo.

Não é difícil perceber como, usando premissas “razoáveis”, o crescimento do faturamento e o lucro podem caminhar rapidamente em direções opostas. Portanto, muito mais relevante do que focar no crescimento do faturamento, os gestores deveriam focar no crescimento contínuo do lucro bruto (R$) e margem (%).

Portanto, da próxima vez que alguém te perguntar: “Como estão indo os seus negócios?” , pense primeiro no lucro bruto. Esta linha do DRE (Demonstrativo do Resultado do Exercício) é que precisa crescer para que o seu negócio consiga aumentar consistente o seu valor, não necessariamente o faturamento. O aumento do faturamento, pode ou não ajudar. Como regra geral, aumentos de preços costumam ser mais eficazes do que aumentos % similares em volume!

Uma segunda pergunta que você deve se fazer: “Como irei controlar as minhas despesas no ano que se inicia, em um contexto em que há sempre um aumento, pequeno que seja, na taxa de inflação do país, para gastar menos em reais do que no ano anterior?”. Gosto da definição de um dos maiores empresários brasileiros que ‘custos são como unhas: temos que cortar sempre’.

Mas, como cortar custos regularmente sem prejudicar a qualidade dos serviços prestados para os nossos clientes externos e internos? Através da melhoria contínua (kaizen), dos ganhos de eficiência e produtividade.
A minha provocação é para que você passe a considerar lucro bruto e despesas fixas como metas muito mais importantes do que o faturamento. E como recomenda a boa gestão de metas:

1) Primeiro precisamos estabelecer boas metas: ambiciosas, porém factíveis, elaboradas tecnicamente. Mensuráveis e com prazos bem determinados.
2) Poucas metas são realmente relevantes. Devemos ter a coragem de eliminar todas as periféricas e focar nas que mais impactam o lucro, a geração de caixa e o valor do negócio
3) Precisamos entender detalhadamente quais variáveis influenciam as metas
4) As metas precisam ser desdobradas para que toda organização e cada colaborador dentro da sua área de atuação “abrace” a meta e a incorpore no seu dia a dia.
5) O acompanhamento regular das metas é parte fundamental do processo. Para cada meta, devemos elaborar um bom plano de ação para alcançá-la e fazer ajustes contínuos (PDCA) para que possamos não apenas bater a metas, mas estabelecer metas ainda mais ambiciosas no futuro.

(*) – É ex-executivo da Cargill, Michelin, Case New Holland, Nissan e Chrysler. Atualmente atua como Consultor de gestão, Palestrante, Mentor de Executivos e Conselheiro formado pelo IBGC. (www.sergioferreiraresultados.com.br).