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O que a Justiça diz sobre a venda de celulares sem o carregador?

em Destaques
terça-feira, 02 de julho de 2024

João Valença (*)

Com certeza você conhece alguém que já adquiriu ou pretende adquirir produtos da Apple. Atualmente, os aparelhos estão cada vez mais modernos e mais caros, e acompanhar essas inovações fazem parte do desejo do consumidor.

Porém, o que parecia ser uma transação simples e rotineira tornou-se o centro de uma discussão jurídica que levanta questões sobre os direitos dos consumidores e as práticas das grandes empresas de tecnologia.

Recentemente, um caso específico envolvendo a Apple e um consumidor ganhou destaque nos tribunais brasileiros. Pedro Henrique adquiriu um iPhone, um dos smartphones mais desejados do mercado, para descobrir, posteriormente, que o carregador não estava incluso na embalagem.

O que começou como uma compra rotineira transformou-se em uma batalha legal, trazendo à tona questões cruciais sobre a ética das práticas comerciais e os direitos dos consumidores. Pedro Henrique, ao buscar reparação na justiça contra a Apple, pleiteou inicialmente uma indenização por danos materiais e morais.

A decisão do Tribunal de Justiça de Goiás foi dividida e revelou um embate entre as partes. Enquanto a Apple sustentou que não houve falha na prestação de serviços, Pedro Henrique argumentou que a falta do carregador configurava uma prática abusiva e uma forma de venda casada, violando seus direitos como consumidor.

A Apple, por sua vez, defendeu-se argumentando que o cabo de carregamento e a embalagem eram suficientes para o uso do aparelho, e que a ausência do carregador estava alinhada com políticas ambientais de redução de resíduos eletrônicos. No entanto, Pedro não viu dessa forma e decidiu buscar reparação na justiça.

Na sentença proferida pelo Juiz de Direito da 32ª Vara Cível, foi concedida uma indenização por danos materiais no valor de R$219,00, corrigidos pelo INPC a partir da decisão e acrescidos de juros de mora legais de 1% ao mês desde a citação. Além disso, o juiz condenou a Apple ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.

No entanto, Pedro Henrique não estava satisfeito com a decisão e decidiu recorrer. O Tribunal de Justiça de Goiás, em uma decisão dividida, reconheceu a prática abusiva da Apple e concedeu uma indenização adicional por danos morais no valor de R$ 3.000,00.
Esses valores não são apenas números, mas representam a compensação financeira concedida a Pedro Henrique em reconhecimento ao dano moral sofrido e à luta travada em busca de seus direitos como consumidor.

Além disso, eles destacam a importância de uma justiça acessível e eficaz, capaz de proteger os interesses dos consumidores diante de grandes corporações. Um ponto-chave nesta discussão é a questão da decadência do direito do consumidor, alegada pela Apple.
Segundo a empresa, o prazo para reclamação por vício do produto teria sido ultrapassado. No entanto, como ressaltou a relatora do caso, em uma declaração exclusiva: “Quando a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória, não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição”.

Essa posição coloca em destaque a importância de compreender a natureza específica do direito reclamado pelo consumidor. Em casos de indenização por danos morais, como este, a questão da decadência pode não ser aplicável, abrindo espaço para uma análise mais ampla do contexto em que o consumidor se encontra.

Além disso, a discussão sobre a prática abusiva da venda de iPhones sem carregador levanta questões sobre a responsabilidade das empresas em relação aos direitos dos consumidores. A relatora do caso destacou que obrigar o consumidor a possuir um objeto essencial para o funcionamento do produto é, no mínimo, descabido, e constitui uma violação do Código de Defesa do Consumidor.

O grande ponto desse caso é que há um debate importante sobre os direitos dos consumidores no mundo digital e que levanta questões essenciais sobre a ética empresarial e a responsabilidade corporativa. Enquanto isso, consumidores como Pedro Henrique continuam a lutar por justiça em um mercado que muitas vezes parece favorecer os interesses das grandes corporações.

Diante desse cenário, a decisão do tribunal de reconhecer a prática abusiva da Apple e conceder uma indenização por danos morais a Pedro Cruz tem um significado importante. Ela não apenas reforça os direitos dos consumidores, mas também lança luz sobre a necessidade de empresas gigantes do setor de tecnologia repensarem suas políticas comerciais.

A venda de iPhones sem carregador não é apenas uma disputa jurídica entre uma empresa e um consumidor. É um reflexo mais amplo das tensões entre práticas comerciais, responsabilidade corporativa e direitos individuais.

(*) – É advogado e cofundador do escritório VLV Advogados, referência no país na área do Direito do Consumidor (https://www.vlvadvogados.com).