Renan Vargas (*)
Dos profissionais da propaganda até os fãs, seja do carro ou da cantora, ou até quem só está curioso pelas repercussões, ninguém passou ileso pela imagem de Elis Regina recriada por Inteligência Artificial (IA) dirigindo uma Kombi ao lado da filha, a também cantora Maria Rita. A cena foi entendida das mais diferentes formas, do emocional ao preocupante. Que tipos de repercussão ética o uso de uma figura pública em um comercial trará, tanto para a tecnologia quanto para o setor?
Há alguns anos a Inteligência Artificial vem sendo usada no mercado da publicidade, com ações que vão desde a produção de textos até análises de dados. Inclusive, o fato de poder detectar padrões nas informações coletadas é um de seus usos mais eficientes e que reduzem o tempo de trabalho em campanhas. Mas quando elas começam a afetar o aspecto visual do produto final, levando a percepções do público que podem até mesmo ser negativas, é que a discussão toma um caminho mais complexo.
Além de algumas tentativas com resultados falhos de originar vídeos prontos para comerciais, como o vídeo que viralizou este ano de uma propaganda de cerveja toda gerada pela IA, ainda estamos longe de vermos todo o setor criativo ser substituído por essa tecnologia. Porém, alguns detalhes já são adicionados em comerciais, indo além de um feito especial. Foi o caso do rosto de Elis Regina sendo colocado sobre o de uma atriz, que se alinhava aos movimentos da cantora enquanto interpretava “Como Nossos Pais”.
Mais do que reações sobre a qualidade da imagem, o vídeo despertou discussões éticas no setor. Teria Elis aprovado o uso de sua imagem? Como lidar com o rosto de uma figura pública tão emblemática, já falecida, sendo usada em um comercial? É preciso entender não apenas o que diz a lei nesses casos, mas também a recepção do público.
Enquanto alguns acharam emocionante ver mãe e filha cantando juntas, outros questionaram se isso deve ser aceito. Foram feitas reclamações ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, alegando questões éticas de respeito à personalidade e por criar cenas ficcionais das quais Elis nunca teria vivido para promover um produto. Quando pensamos que caminhamos para uma comunicação cada vez mais humanizada, é preciso levar em consideração esse tipo de recepção. Esse momento é decisivo para entendermos como será o futuro da IA na propaganda tanto no meio legal quanto na recepção da audiência.
É característico das Inteligências Artificiais que, quanto mais treinadas sejam, melhores resultados apresentem, para as mais diversas funções. Detalhes como mãos humanas, que costumam estar entre as maiores críticas dos usuários pela falta de definição, tendem a ser consertadas sozinhas em pouco tempo, melhorando o entendimento da ferramenta da imagem.
É preciso entender a IA como uma ferramenta poderosa que pode nos ajudar a obter resultados mais assertivos, além de favorecer até mesmo a criatividade dos profissionais de publicidade. Podemos fazer testes mais precisos com audiências a partir de imagens geradas artificialmente antes de ir para a finalização de peças, analisar dados e padrões de informações, segmentar anúncios e encontrar públicos mais ricos, até mesmo personalizar linguagens de anúncios. A IA pode fazer muito mais do que resgatar o rosto de uma famosa cantora para gerar nostalgia – e certa polêmica. Quem sabe, esse seja o caminho para uma interação ética de Inteligência Artificial e Publicidade.
(*) É publicitário e especialista em Marketing Digital. Fundou a Páprica Comunicação, agência especializada em estratégias digitais para clientes de médio e grande porte nos segmentos da educação, saúde, indústria e varejo.