Fernanda Vilas Boas () e Elena Campos (*)
Enquanto a corrida por uma produtividade desenfreada nos proporcionou um presente pautado pela desigualdade, o futuro anseia pelo feminino. O que exatamente isso significa?
Podemos partir da premissa de entender quais são essas tais características femininas, ou melhor, características historicamente associadas ao feminino por um interesse da sociedade em atribuí-las e limitá-las a uma questão de gênero ou a um corpo com um cromossomo X no lugar do Y.
Definir algo por feminino ou masculino, nesse caso, não faz muito sentido, porém partimos do que é até então ligado aos arquétipos, no intuito de entender o liderar pelo feminino de uma forma independente do corpo. Segundo uma reportagem da Bloomberg, ao final de 2020, as mulheres representavam, globalmente, 14% dos gestores que administram fundos mútuos e negociados em bolsa de renda fixa, ações e alocação de ativos. É a mesma proporção registrada em 2000.
Considerando apenas os Estados Unidos, o percentual cai para 11%. A percepção usual que temos da figura de um líder ainda é pelas características ditas masculinas.
As características como racionalidade, poder, força, praticidade e capacidade de decisão são super valorizadas profissionalmente em uma compreensão de que liderança é sinônimo de poder, um conceito ainda hierárquico e limitado.
Já nas mulheres, as características masculinas sempre foram muito incentivadas para conquistar avanços profissionais e para “sobreviver” no mercado, muitas vezes anulando as demais. Por outro lado, as características femininas nos corpos masculinos são desestimuladas, pelo fato de serem associadas a sinal de fraqueza e a falta de “pulso firme”.
Nesse caso, acolhimento, cuidado, zelo, empatia, sensibilidade e intuição, algumas características associadas ao feminino, até então não são consideradas como competências. Por isso, vemos como importante salientar os ganhos reais que temos com a liderança pautada nos valores ditos femininos e trabalhá-los em todos os gêneros, para criarmos soluções a partir de um futuro emergente.
Dentre os 17 objetivos globais definidos pela ONU, a igualdade de gênero constitui o apelo pela prosperidade e contribui para o atingimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS). Essa agenda alerta para medidas ousadas que são urgentemente necessárias para um mundo próspero. O documento ainda evidencia a importância do papel da mulher na liderança, tomada de decisão e na tecnologia.
Olhar para as necessidades do futuro e dar espaço para que o feminino também protagonize lideranças políticas, econômicas e públicas, deixa de ser apenas um desejo socialmente viável.
Quando salientamos que a colaboração pode potencializar a inovação estamos falando também de habilidades do feminino que devem vir à tona na figura da líder. Independente dos corpos e identidade de gênero, a liderança do futuro, ou melhor, presente emergente, transita pelos dois extremos, em busca do equilíbrio, enxergando o potencial através do humano.
Se ansiamos genuinamente pela diversidade, a ciência, a inovação, a tecnologia e tantas outras áreas, estas não podem ser contidas pela lacuna de gênero. A quebra das barreiras da diversidade passa por retirar as mulheres das margens e avançar numa agenda que potencializa lideranças plurais. Neste sentido, vale refletir: o que temos feito no presente para que esse futuro se consolide?
Num contexto predominantemente patriarcal, que desvaloriza a pluralidade e a própria transgeneridade, é possível que tomemos as decisões que precisam ser feitas, considerando os conflitos de interesse de quem predominantemente detém o poder? O quanto estamos preparados para equidade? Indicadores do IDG (Índice de Desenvolvimento de Gênero) avaliam que apesar das mulheres terem nível de escolaridade maior do que os homens, possuem rendimentos 41,5% menores.
Na ciência, uma pesquisa realizada por Barros e Mourão (2020), na qual se analisou a produção de pesquisadores do CNPq de 2013 a 2016, foi observado que os homens representam 63% dos bolsistas. O ponto mais agravante ainda é que se considerar o nível mais elevado da carreira, o PQ1A, foi constatado que somente 23% das mulheres atingiram esse nível.
A verdade é que masculino ou feminino, estamos todos cansados do relativismo. Observar o desenvolvimento do feminino no ambiente vai além da corporalidade e passa a ser um avanço na direção de dar espaço para humanidades. Não podemos dizer que seja um processo simples, como toda mudança, rompe padrões e encontra resistências, principalmente quando falamos de feminino e a busca por uma gestão mais humana.
Liderança horizontal, inclusiva e orientada às pessoas: esta é uma forma respeitosa e orientada ao futuro de liderar.
(*) É Líder de Projetos de Inovação; (*) – É Agente de Aceleração na Troposlab, empresa especialista em empreendedorismo e inovação.