Filipe Luis de Paula e Souza e Amanda Zarpellon Deretti (*)
Nos últimos anos, o setor varejista brasileiro tem navegado por um mar revolto de desafios que têm levado muitas empresas à beira do abismo financeiro, que se traduziu em um aumento significativo nos pedidos de recuperação. Um dos aspectos mais notáveis é a opção de várias marcas reconhecidas pela recuperação judicial ou extrajudicial.
Essas empresas por décadas foram pilares do comércio e agora se encontram diante da necessidade de uma reestruturação para enfrentar os desafios econômicos contemporâneos.
Parte disso se deu pelas mudanças nos hábitos de consumo dos clientes, impulsionadas pelo aumento do acesso à internet e o crescimento do comércio eletrônico, que têm exigido que as empresas varejistas repensem suas estratégias de vendas e distribuição.
O contexto econômico brasileiro tem sido marcado por instabilidade, com flutuações cambiais e incertezas políticas que afetam diretamente o poder de compra dos consumidores. Desde 2013, o país testemunhou uma trajetória instável em seu PIB (Produto Interno Bruto), com alguns anos de retração econômica, o que representou um verdadeiro teste para a legislação de recuperação.
A pandemia somente agravou ainda mais a situação, levando, inclusive, o governo à implementação de medidas de estímulo, como o auxílio emergencial e políticas de crédito, para mitigar os impactos econômicos. No entanto, essas ações se mostraram insuficientes para evitar uma recessão profunda, exacerbando as vulnerabilidades econômicas existentes.
Ainda neste ínterim, a alta do endividamento, impulsionada pelos investimentos em modernização e reestruturação, combinada com a elevação da taxa básica de juros (Selic), que atingiu 13,75% em 2022/2023, criou um ambiente desafiador para as empresas deste setor. Neste cenário, a promulgação da Lei 11.101 em 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, foi um marco importante.
De acordo com o Indicador de Falência e Recuperação Judicial da Serasa Experian, o número de pedidos de recuperação judicial cresceu notavelmente em 2023, registrando um aumento de 68,7% em comparação com o ano anterior, marcando o 4º índice mais alto desde o início da série histórica, em 2005, e o maior número desde 2020. Esse cenário se intensifica no primeiro trimestre de 2024, com um novo aumento de 64% em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Esse incremento, que alcança impressionantes 94,7% apenas em março deste ano em relação a março de 2023, sublinha a urgência de medidas eficazes para apoiar as empresas em dificuldades e promover a estabilidade econômica. E a expectativa é de que as recuperações judiciais se manterão em alta durante este ano, apontando para uma continuidade da tendência observada nos últimos anos. Claramente esse aumento é reflexo do crescimento das empresas que se viram diante da iminência da insolvência.
Apesar dos desafios encontrados, o instituto da recuperação oferece às empresas uma oportunidade de reorganização estratégica abrangente. Uma das principais vantagens desse processo é a proteção contra execuções judiciais por parte de credores, permitindo que as empresas se concentrem na reestruturação financeira e operacional sem o risco iminente da falência.
Durante esse período, as empresas têm a chance de repensar alguns dos pilares fundamentais do negócio, como os custos de manutenção das lojas físicas, que incluem aluguel, salários de funcionários e despesas operacionais, os quais, na maioria das vezes, são relevantes. Se as vendas não estiverem atendendo às expectativas, esses custos podem se tornar insustentáveis.
Nestes casos, a recuperação, seja ela judicial ou extrajudicial, torna-se um fator determinante para a equalização dos custos com a negociação de descontos e o alongamento do pagamento desse passivo. É necessário também que essas varejistas que passam por recuperação se concentrem em inovação e adaptação para competir de forma mais eficaz com os concorrentes online.
Em outras palavras, é imperativo melhorar a presença digital, com atualização dos sites de comércio eletrônico e investimento em tecnologias para proporcionar uma experiência de compra online mais atraente. Para as lojas físicas que permanecem, é preciso priorizar a melhoria da experiência do cliente, tornando-as mais atraentes e interativas para os consumidores.
Novos conceitos de loja são muito bem-vindos e a recuperação é a ferramenta certa para trazer o fôlego necessário para a realização destes investimentos na criação de um ambiente mais envolvente para os clientes. Outro grande desafio na reconstrução do varejo é a diversificação de ofertas, com expansão para novas categorias de produtos e parcerias estratégicas.
A recuperação pode ser um ótimo momento para a introdução de novas linhas de produtos exclusivos e parcerias com outras marcas para oferecer uma variedade mais ampla de produtos aos clientes. Todos esses passos da reorganização além de reduzirem custos desnecessários, também permitem que as empresas se reposicionem no mercado, fortalecendo sua competitividade e capacidade de crescimento futuro.
Por fim, é importante ressaltar que processos como esses não são um sinal de fracasso iminente, mas sim um reconhecimento corajoso das dificuldades enfrentadas e uma busca por soluções viáveis, considerando que o instituto oferece uma plataforma estruturada para que as empresas reavaliem suas operações, reestruturem suas finanças e se reposicionem para o futuro.
(*) – São, respectivamente, sócio da LBZ Advocacia, e consultora do mesmo escritório (https://lbzadvocacia.com.br)