David Braga (*)
“Era uma vez um mundo em que todos trabalhavam cinco dias por semana dentro das empresas”. Essa não é mais uma história encantada e tem se tornado cada vez menos realidade.
Isso porque as pessoas têm buscado maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional e muitas, aliás, já se acostumaram com o conceito de “no where”, ou seja, não importa onde você esteja trabalhando, desde que mantenha sua produtividade em dia! Não atoa o nomadismo corporativo tem ganhado mais força nos últimos tempos, especialmente entre os profissionais mais jovens e em áreas específicas, como TI.
Após o início da pandemia, a prática de trabalho do modelo home office ou híbrido (parte presencial, parte on-line) ganhou força em organizações que jamais pensariam em atuar nesses moldes. Querendo ou não, foram forçadas a colocar seus trabalhadores em casa, pelo menos inicialmente e perceberam que é possível manter a produtividade dessa forma. Consequentemente, descobriram que, no curto prazo, foi possível inclusive reduzir custos com estruturas físicas.
Diante disso, líderes e liderados precisaram se adaptar ao novo modelo. Se para o líder o desafio foi fazer gestão a distância, com foco na performance e menos no poder e controle, do lado do colaborador, foi necessário aprimorar competências e habilidades, as tão faladas soft skills de autogestão, organização, planejamento e acuracidade na gestão do tempo, lidando no paralelo com os afazeres domésticos, já que o trabalho invadiu os lares.
Adaptação – palavra e atitude necessárias para os tempos atuais. E o mais formidável que percebemos no ser humano é que, querendo ou não, nos adaptamos ao novo, uns com maior facilidade e outros de maneira mais sofrida. Por isso ter resiliência se faz tão necessário. Somado a isso, foi preciso conhecer novas tecnologias – plataformas digitais como Zoom, Teams, GoogleMeet, dentre outras – já que as reuniões migraram para o on-line.
Diante do isolamento social, além de muitos terem ficado com a saúde mental abalada, mais sensíveis e propícios a quadros de depressão – o que precisou ser acompanhado por especialistas de muitas organizações -, foi perceptível para muitas companhias o distanciamento da cultura organizacional perante os colaboradores. Como sabemos, ela é a alma da empresa, pois define como tudo acontece.
E claro, é através das pessoas, do convívio do dia a dia e das práticas adotadas, que vamos permeando ao longo dos anos esse mindset, ou cultura da empresa. Desde sempre – e neste cenário, mais desafiador -, atrair os profissionais e selecionar para contratar os melhores talentos têm sido missões cada vez mais árduas para a maior parte das empresas.
Retê-los e engajá-los é ainda mais complexo e exige muita criatividade e competência, não apenas da área de RH, como também de todos os gestores. Nesse contexto, é praticamente impossível fazer com que os melhores permaneçam, se a organização quiser manter o velho modelo de trabalho de 8h às 18h, entre outros sistemas enraizados, ortodoxos e até mesmo obsoletos para os tempos atuais.
Ainda há vários questionamentos se é prudente manter o home office, modelo híbrido ou presencial 100% nas empresas. Como sempre, o extremismo nunca trouxe resultados positivos. O que muitas pesquisas têm mostrado é que a mescla dos modelos demonstra ser o mais sábio. Por isso, cabe à área de RH e lideranças pararem, refletirem e agirem, entendendo em detalhes quem pode estar em cada um dos modelos e praticar a escuta ativa, questionando os colaboradores e construindo isso junto.
Fato é que neste cenário, muitas organizações já estão fragilizadas em vias de perder seus melhores talentos pelo simples fato deste processo não estar sendo feito de forma cocriativa e colaborativa. Não há mais espaço dentro das organizações para ordens instituídas em mão única ou top down, ou seja, de cima para baixo. Vale lembrar que hoje, tal qual a empresa escolhe quem eles querem trabalhando, o colaborador também opta em qual organização quer fazer parte.
Em tempos onde temas como propósito e legado têm ganhado maior relevância em fóruns de discussões, inclusive nos Conselhos de Administração das empresas, o cenário clama por equilíbrio entre vida pessoal e profissional, com pitadas de felicidade no trabalho para estimular os colaboradores naquilo com que trabalham, mesmo porque isso também está conectado com as práticas de ESG, sigla em inglês que envolve questões de meio ambiente, social e governança.
O mundo também pede leveza, conceito que deve ser aplicado ao clima organizacional, lembrando que indefere se estamos tratando do modelo presencial, híbrido ou home office. Além disso, o líder também tem sido cada vez mais exigido por competências e habilidades, para engajar os colaboradores e estabelecer laços de confiança, para haver conexão e comprometimento, impactando, diretamente, o faturamento.
Já por parte dos colaboradores, nunca foi tão necessária a busca pelo autoconhecimento, pois é por meio dele que cada um pode conhecer mais a fundo suas habilidades e competências, e perceber em que ainda é necessário se aprimorar. Novas crises, pandemias e adversidades virão. Aliás, elas nunca deixam de existir. O mundo está sempre em constante movimento, exigindo dos governos, empresas e colaboradores questionarem constantemente o status quo, ou seja, como as coisas são feitas.
Da mesma forma, já entendemos que a vida é muito mais do que pagar contas e trabalhar, apenas. Precisamos, sim, ser produtivos, mas também precisamos buscar o equilíbrio nas variadas esferas de nossa vida. E nesse processo de adaptação aos novos modelos de trabalho, novas tecnologias e modelos de gestão, o que realmente importa é qual legado estamos deixando para o mundo e para as pessoas.
Vale ressaltar que as empresas humanizadas, são as que perdurarão nos próximos tempos.
(*) – Conselheiro da ONG ChildFund, da ACMinas e da ABRH-MG; autor do livro ‘Contratado ou Demitido – só depende de você’; é CEO, board advisor e headhunter da Prime Talent Executive Search.