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Na liderança e nos negócios, não existe o “novo normal” após a covid-19

em Destaques
segunda-feira, 06 de julho de 2020

Marcelo Miranda (*)

Não acredito que exista essa de novo normal após os impactos da covid-19, tanto aqui na Espanha, onde vivo, quanto no Brasil e em todos os demais países. O mundo – e a sociedade em seu caminho evolutivo natural – sempre esteve em constante mudança, com algumas sendo mais abruptas e intensas que outras.

Então, mesmo depois desse súbito e vasto impacto da pandemia em nossa sociedade, não podemos pensar que o “normal” será novo, apenas fruto dos aprendizados e das marcantes transformações que estamos vivenciando agora. Em outras palavras, quando ele chegar, o suposto “novo normal”, já não será “novo” e nem “normal”.

Para quem, assim como eu, gosta de gestão de pessoas, estuda e pratica diariamente liderança, a pandemia deixou claro o quanto somos frágeis como seres humanos, como empresas e como comunidades. Os cenários que pensamos não são suficientes, pois tudo pode mudar. Mas é preciso enxergar as coisas pelo lado bom sempre, para aprendermos a ser melhores, como pessoas e como sociedade.

Trazendo para a realidade dos líderes, nessa linha da positividade, não estou falando apenas em assumir uma mentalidade positiva, claro, mas agir, ou TBC (tirar a bunda da cadeira, um jargão que sempre utilizo). Na liderança, não há tempo de esperar por um “novo normal” ou por um “quando tudo isso passar”. Se não for a covid-19, será outro desafio ou metamorfose que baterá à porta.

A Espanha foi um dos primeiros países a serem atingidos com intensidade pelo novo coronavírus. Agora, o país está em fase de abertura gradual, após um lockdown fortíssimo imposto pelo governo. Uma tentativa de equilibrar os cuidados com o vírus com a parcial reabertura da sociedade.

É claro que, apesar do conjunto de medidas tomadas terem sido de alguma forma efetivas para reduzir o número de contaminados e mortos pelo vírus, esse lockdown das empresas e consumidores teve relevantes consequências na economia, como as previsões de queda no PIB de mais de 15% para o ano – algo que não acontecia desde as Guerras Mundiais. Como tudo isso refletiu fortemente nas empresas, vou dividir aqui dois momentos que merecem destaque.

Sobrevivência, adequação e comunicação

O momento da sobrevivência foi aquele em que, apesar do choque inicial com o lockdown, as empresas reconheceram a necessidade de proteger seus funcionários, ainda que o caixa fosse uma enorme preocupação.
Primeiro de tudo, como somos uma empresa de produção industrial, enxergamos a necessidade imediata de implementar medidas de segurança para garantir a saúde dos trabalhadores. EPI adequados para todos foi o mínimo entre as necessidades (e não vou entrar no mérito do trabalho remoto, solução clara para determinadas áreas).

Um grupo interno ficou responsável por rapidamente estudar e adequar as instalações e os processos, como novos procedimentos para garantir a distância mínima entre as pessoas, novos vestiários, refeitórios, bem como a imprescindível higienização diária de fábricas e escritórios, entre outras medidas. E, assim, com um exemplo claro de as pessoas terem poder nas pontas, de uma estrutura maior, foi possível e seguro manter o funcionamento. Foi preciso investir, sim. Mas não há sobrevivência sem TBC.

Agora, vou colocar o dedo na ferida. A mudança nem sempre é bem-vinda. Nós, seres humanos, temos medo do novo, temos receio do desconhecido. É por isso que transformar processos em uma empresa só é possível por meio de:

• Comunicação clara e constante;
• Gestão e zelo com as pessoas.

Liderança envolve muita humildade e honestidade para dizer que não sabemos todas as respostas. Por outro lado, com um trabalho de comunicação em todos os níveis e na linguagem certa para cada nível, se mantemos a clareza sobre os esforços que estão sendo tomados para proteger a saúde das pessoas, seus empregos e o bem-estar em meio a uma crise sanitária, fica muito mais possível alinhar combinados e expectativas.

E cuidar das pessoas, de forma genuína, dá trabalho, significa doar-se ao acolher os sentimentos de preocupação, transformando a participação das pessoas em um sentimento de pertencimento. E, ainda, instigando a garra e o instinto de luta que todos temos naturalmente em situações de grande risco. Mas isso não se faz falando, se faz com atitudes. Walk the talk.

Agilidade, resiliência e flexibilidade

Esse é o segundo momento de um cenário que envolve os impactos da covid-19 e, consequentemente, o papel da liderança. Sigo falando de questões com base no que observei de perto na Espanha, mas que podem ter alguma serventia em sua realidade. A maioria das empresas precisou correr atrás de reposicionamento, além de invenção dentro de um novo cenário, como adequar seus produtos e serviços, inovar na prospecção e (tentar) entender qual será o futuro.

Apesar das muitas dúvidas, incertezas e inquietude, faz parte da sobrevivência buscar transformações. Para isso, a agilidade é um diferencial, senão o principal – a depender de cada contexto. Agir rapidamente para garantir as operações no curto prazo tem total relação com o futuro. A rápida implementação das medidas de segurança, que mencionei acima, são um exemplo do que quero dizer com agilidade, assim como com relação à resiliência. Há certas coisas que não podem esperar quando o objetivo é continuar.

Não espere qualquer autoridade determinar algo que você já sabe que é essencial para seu negócio durante uma crise mundial de saúde, como o uso obrigatório de equipamentos que prezam pela segurança das pessoas e a adequação dos procedimentos. Com relação a negócios propriamente dito, flexibilidade também faz parte da decisão rápida. Por exemplo, monitorar os benefícios disponíveis pelo governo (que em nosso caso não estavam presentes), buscar estratégias financeiras para melhorar o capital de giro, com bancos, clientes, fornecedores, entre outros.

Mas não espere também das autoridades soluções prontas de liquidez ou socorro. É imprescindível, de forma criativa e intensa, percorrer todas as alternativas de liquidez para proteger o fluxo de caixa da empresa nesse período. Diariamente, foi e é preciso ajustar a empresa ao cenário do dia. Isso é gestão de crise na prática e, para isso, o alinhamento das pessoas por meio do propósito e uma organização ágil e horizontal ajudam bastante – um ótimo tema para outro artigo.

Voltando à flexibilidade e à agilidade, um ponto fundamental é a colaboração em toda a cadeia. Isto é, buscar garantir suas parcerias, de clientes a fornecedores, e entender que, dessa forma, é possível seguir operando em plena pandemia. Com clientes, o grande diferencial fica na garantia da continuidade, demonstrar resiliência – o assim dito antifrágil –, buscando por um outro lado negociação de cláusulas e adequações nos contratos para uma melhor liquidez e proteção.

Com os fornecedores, a diferença é no monitoramento constante para entender garantias de entregas, buscar conectar e ajudar de fato, além de garantir pedidos para que tenham segurança de continuação. Parcerias fortes nesse momento fazem grande diferença, nos dois sentidos.

Liderar é fazer o que deve ser feito, não o que as pessoas gostariam
Nesses momentos de intensa transformação, muitas vezes o líder tem um papel decisivo de levar foco, levar direção. Mesmo apoiado na opinião e participação das pessoas, é papel indelegável do líder demonstrar caminho, e direcionar as pessoas por atitudes e exemplo, que as levará a terem segurança para um norte a seguir.

Errou, corrige rápido. Mas não é hora de esperar para decidir. E, em muita das vezes, o caminho e as decisões não são as que mais agradam a todos, não são as mais fáceis. Mas quanto antes o líder tomar os passos difíceis, quanto antes posicionar e guiar a empresa por um norte, mais forte terá os colaboradores alinhados com suas atitudes em prol da empresa.

Não é preciso estar certo, mas é preciso agir e posicionar. Procrastinar decisões nesse momento pode ser um grande erro, consenso demais em momentos como esses também pode ser perigoso. É momento de posicionamento, humildade e agilidade para ir corrigindo o caminho.
Liderança tem a ver com reinventar, repensar e transformar
Não adianta pensarmos que estamos diante de um cenário que vai se resolver em três ou seis meses.

Na liderança, estamos em transformação a todo momento, pois, como falei antes, se não for coronavírus, outro desafio vai colocar nossos negócios à prova. É por isso que não existe essa de “novo normal”.
E, como profissionais, uma característica muito importante que fica amplificada frente à pandemia é a capacidade de aprender, de viver as mudanças com menos resistência. Não ser um problema, e sim de puxar a fila como um condutor da transformação, de forma proativa.

E, como gestor, a capacidade genuína de servir as pessoas para que tenham tranquilidade para lidar com os difíceis sentimentos que a situação traz a todos, bem como instigar os instintos de tirar o melhor de cada um com a máxima energia nesse momento. Ou seja, criar um ambiente mesmo dentro de toda a mudança, para que as pessoas tenham capacidade de entregar o seu melhor.

Outro fator importante aos gestores é como, de fato, implementar as transformações, as inovações para reposicionar a empresa, seus produtos, seus serviços. Aqui, boas experiências vividas e quem sabe assunto para um novo artigo? Primeiro, numa linguagem simples, inovar é resolver problemas, então, cabe aos líderes, ao lado de suas equipes, entender rápido quais são e, principalmente, quais serão os “novos” problemas de seus clientes. E centrar nisso.

Gestores devem propiciar um ambiente para tirar o melhor dos talentos da empresa, de forma que possam surgir líderes que não sejam “chefes” de direito, mas que podem comandar projetos, ideias, transformações.
Essa é a liderança situacional, quando uma pessoa que não tem o chapéu de líder lidera outras em um projeto ou caso pontual. E, nessas horas de transformação, se a empresa tem ambiente para que colaboradores possam colocar boas ideias em prática, a mudança ganha agilidade.

Nosso poder de ação é o que determina os resultados em cenários de crise. Nas incertezas, não é possível prever o que vai dar certo. Mas existem caminhos, existe flexibilidade e existe adaptação. E é possível contar, apostar e desenvolver cada pessoa da equipe, suas habilidades, conhecimento e capacidades. As pessoas são a diferença.

(*) – Conselheiro da ABRH-MG, ex-CEO da Precon Engenharia, é CEO at Consolis Tecnyconta (https://www.consolis.com/group/bienvenidos/).