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Inovação 4.0: a nova era da inovação acelerada pela crise global

em Destaques
quarta-feira, 03 de junho de 2020

Renata Horta (*)

A inovação consiste em novas ideias que são implementadas com sucesso econômico e geração de valor para o cliente e para a empresa. Podem ser inovações em processo, produto, gestão ou modelo de negócio, ou também incrementais, quando alteram pouco a forma como as coisas são feitas, ou radicais.

Ainda, podemos dizer que são disruptivas quando atingem novos mercados. Independente do tipo ou da classificação que assumimos, é natural que a forma de fazer a inovação acontecer nas grandes empresas tenha acompanhado a história do desenvolvimento da indústria.

Hoje, chamamos de Indústria 4.0 o processo de renovação das cadeias produtivas a partir de tecnologias que permitem um ganho transformacional, ou seja, novas performances que superem em 5 vezes, ou mais, o processo atual. Tecnologias como impressão 3D, inteligência artificial, internet das coisas são exemplos. A Indústria 4.0 também possibilita uma gestão mais fácil e inteligente.

Dentro deste contexto, o termo Inovação 4.0 reconhece um momento que demanda novos processos de gestão da inovação. Esses novos processos já têm emergido silenciosamente nos últimos anos, mas a crise causada pela pandemia no mundo fez com que muitas barreiras à inovação caíssem, forçando as empresas a correrem mais riscos.

As empresas que hoje estão focadas em um processo de sobrevivência mais proativo (criando novos produtos ou canais por exemplo) ou que estão engajadas em processos colaborativos de combate à pandemia (como a mudança em seu processo produtivo para fabricar insumos hospitalares), estão intensificando sua capacidade criativa, sua flexibilidade e desenvolvendo novas habilidades que são as alavancas para acelerar sua capacidade de inovar.

Para entender o que é a Inovação 4.0, é preciso que esse conceito evolua e amadureça com a contribuição de empresas, academia e todos os envolvidos no processo. Ainda assim, vale registrar algumas características que são ponto de partida para compreender a profundidade dessa mudança:

  1. Colaboração – O nível de colaboração no processo de inovação vem aumentando fortemente desde que começamos a falar de Inovação Aberta, mas nos últimos anos a tecnologia possibilitou isso de forma mais sistemática. As startups tiveram um papel fundamental neste processo.

Além disso, tivemos uma mudança de comportamento nos times de inovação das empresas, influenciados com a entrada de uma nova geração muito mais aberta e colaborativa. Hoje temos empresas mais abertas a co-desenvolver, a envolver o cliente no processo, a incorporar uma grande variedade de competências externas para viabilizar a inovação.

  1. Descentralização – A inovação, que antes era um trabalho designado aos Centros de Pesquisa das grandes empresas, é hoje esperada de todos os departamentos e áreas. Quase todas as empresas colocaram a inovação no centro de suas estratégias, principalmente devido ao movimento de Transformação Digital, que trata não só de digitalizar a forma como as coisas são feitas, mas de assumir uma cultura e um pensamento “digital” sobre o negócio.

Um pensamento que provoca a utilizar a tecnologia para ganhar escalabilidade, produtividade, inteligência. Uma transformação, que, quando vigorosa, se dispõe a mover a empresa para novos mercados, novos negócios. Esse processo obriga a empresa a repensar o que faz e como faz, engajando todas as áreas em uma busca por novos processos.

Os programas de intraempreendedorismo são um excelente exemplo e caminho: eles abrem recursos, definem processos e dão condições para que times diversos (em áreas e níveis hierárquicos) gerem e implementem suas ideias sob o olhar atento e interesse da mais alta hierarquia da empresa, gerando resultados inquestionáveis quando a organização consegue criar o ambiente adequado.

  1. Uso inteligente de dados – Uma gestão onipresente está para nascer dentro das empresas, que observa de forma precisa a “jornada de inovação” (o processo desde o momento do nascimento de uma ideia, até a apuração dos resultados e estratégias de retroalimentação). Hoje, ainda temos desafios em estabelecer e monitorar os indicadores diversos relacionados à inovação.

Quantas ideias a empresa gerou esse ano? Quantas ela conseguiu implementar? Quais são os resultados gerados e previstos para esses projetos? O custo de responder estas perguntas hoje é enorme, mas com um pouco mais de tecnologia em gestão, podemos criar esses caminhos. Quando saímos do tema específico de gestão da inovação para uso de dados de forma mais abrangente, conseguimos apontar a direção das mudanças necessárias a partir de dados mais consistentes.

  1. Cultura – Uma vez que a inovação é esperada em todas as áreas, a gestão dela deixa de ser processual e passa a ser cultural – o que já era previsto por alguns teóricos da área. A cultura determina o que é considerada a forma certa de fazer as coisas. Se dar ideias e tentar novos caminhos para melhorar a performance não for um elemento compartilhado, é de se esperar resultados medianos e processos de inovação cheios de obstruções.

Trabalhar a cultura já é elemento chave na maior parte das empresas e gestores de inovação. O que ainda precisa ser entendido é como sistematizar esse desenvolvimento, criar metodologias e direcionar efetivamente a cultura para que a inovação se torne “natural” assim como as práticas que a viabilizam.

  1. Ousadia – Esse processo também tem sido acelerado nos últimos meses a partir do cenário da crise gerada pelo coronavírus. Quando o mais arriscado é não fazer nada, muitas empresas têm se movimentado muito além de sua zona de conforto, amplamente apoiada por seus colaboradores, seja pelo sentimento de engajamento que as tragédias podem gerar, seja pelo desejo de finalmente romper as barreiras que seguram seu potencial.

Esse processo deixa um legado para o amadurecimento da cultura de inovação representado pelo novo perfil de liderança, com características empreendedoras e também pelas histórias de sucesso em inovação que a empresa pode contar. O cuidado nesse salto deve ser para gerar aprendizado verdadeiro a partir do sucesso ou do fracasso dos projetos, de forma que a organização entenda que elementos podem ser replicados em experiências futuras e não crie “traumas” a partir de projetos que não deram certo.

  1. Impacto – Nos últimos anos, o cenário de investimento de impacto tem se tornado mais e mais relevante. Investidores de todo o mundo tem trazido mais consciência para seu capital, direcionando grandes fortunas a projetos que geram resultado financeiro e também benefício sócio-ambiental, por exemplo. São fundos de investimento de impacto, investidores anjo, organizações não governamentais que estão mobilizando capital para criação de valor que alcançam gerações futuras.

Isso chega a grandes empresas através da pressão de investidores para uma prática mais sustentável, que não a coloque em risco em curto-prazo, e também do cliente que vai se tornando mais exposto aos debates que aumentam suas expectativas quanto à atuação das empresas. Esse movimento, que já está acontecendo, faz com que a estratégia de inovação da empresa incorpore rotas de impacto em um ciclo muito positivo para o mundo.

Todas as características listadas estão relacionadas à uma postura humana frente à tecnologia disponível para o trabalho. Não é a tecnologia em si que faz a inovação evoluir, mas o uso e entrelace dela com os processos inerentemente humanos da gestão e da tomada de decisão. A Inovação 4.0, ao meu ver, é um momento em que a inovação passa a ser guiada e conduzida por novos paradigmas.

Certamente outros direcionadores serão descritos e muitas novas práticas estão por nascer a partir deles. Vamos abrir os olhos e nos tornar mais sensíveis para como as mudanças do mundo estão transformando a forma de fazer inovação e para o que ainda está
por vir.

(*) – É sócia fundadora e Diretora de Produto da Troposlab (https://troposlab.com/).