Edmar Bulla (*)
Do dia para a noite, o planeta criou uma nova forma de funcionamento. Estamos agindo sob o comando do COVID-19, um novo vírus desconhecido, que mudou nossos hábitos e cuja desinformação causa o medo. O medo, por sua vez, alimenta o pânico, que aciona em nosso cérebro mecanismos de sobrevivência, manutenção da vida e do corpo. O instinto natural é correr para os supermercados e abastecer a despensa, a geladeira e não morrer de fome, se forçados a uma quarentena.
Ninguém afirmou que faltaria comida e ninguém em outro lugar do mundo morreu de fome por causa do Coronavírus. Mesmo assim, fotos de gôndolas vazias e supermercados cheios povoam, de modo alarmante, a internet e o imaginário das pessoas. E quando alguém publica uma imagem assim, pratica um grande desserviço à sociedade. Esse pico vai passar, mas até que a contingência não termine, alguns se desgastam mais do que outros. Contudo, na internet, uma imagem fala por mil palavras e o pico de consumo já está criado e potencializado exponencialmente.
Contê-lo é tão inglório quanto tentar reconduzir uma manada desgovernada, mesmo que ela caminhe para um desfiladeiro, mesmo que ela não saiba disso. Estamos atravessando um momento atípico de estocagem, especialmente de alimentos não-perecíveis. E não deveríamos fazer isso. Além de não haver motivo para comprar além do necessário, esse ato gera um desbalanceamento em toda a cadeia de abastecimento: do produtor até o ponto de venda.
Educar, portanto, ainda é a melhor forma de combater o vírus e recalibrar as nossas emoções. Não, não morreremos de fome por causa do vírus, mas podemos evitar sucumbir ao vírus da ignorância.
Para manter gôndolas abastecidas, símbolos da fartura e da segurança, exércitos de repositores, motoristas, carregadores, estoquistas e promotores precisam se mobilizar diariamente. E não são poucos – e também são humanos suscetíveis à contaminação.
O movimento de estocagem fragiliza particularmente a logística, a gestão de estoques e, invariavelmente, a reposição. Repositores e todos os outros profissionais que atuam nos bastidores e na frente de lojas, responsáveis por manter as gôndolas lindas e perfeitamente cheias, precisam de mais atenção.
Acredito que os varejistas ainda não dedicaram esforços em massa para informar, comunicar e educar. Portanto, compartilho aqui 20 iniciativas para preservar a saúde dos profissionais de lojas e operações, garantir a manutenção correta dos empregos, evitar demissões e, claro, inovar na gestão de recursos humanos em supermercados, hipermercados e farmácias que, lembrem-se, estão abertos durante a quarentena. Vamos às recomendações:
- Fortalecer parcerias e alianças entre indústria, varejo e governo.
- Valorizar e preservar as relações em toda a cadeia produtiva.
- Criar um fundo de investimento que sustente um laboratório compartilhado de inovação para o varejo.
- Informar claramente aos consumidores que gôndola vazia pode não significar falta de produto, mas apenas um intervalo de reposição.
- Flexibilizar agendas de reposição: varejos devem abrir horários alternativos para receber e repor produtos. Por exemplo, antes de abrir ou depois de fechar a loja.
- Formatar roteiros geográficos alternativos para diminuir deslocamentos.
- Setorizar para repor: isolar setores para reposição em horário comercial.
- Prover equipamentos de proteção completa para o pessoal em loja, incluindo higienização de caixas e áreas importantes a cada duas horas.
- Prover acompanhamento de indicadores de saúde contínuos para os recursos humanos, como temperatura corporal.
- Disponibilizar áreas confortáveis para descompressão ou descanso, devidamente preparadas e higienizadas.
- Flexibilizar para que promotores possam trabalhar também como repositores – e vice-versa.
- Criar um pool compartilhado de repositores e promotores, multivarejo e multi-indústria, para diminuir fluxo e número desses profissionais em loja, evitar desligamentos e otimizar a operação com máxima eficiência, operando de modo alternado e com rotinas intercaladas de reposição.
- Poupar repositores acima de 50 anos ou que façam parte dos grupos de risco.
- Promover job rotation para manter empregos, alocando profissionais em outras funções.
- Inovar em recrutamento de repositores via aplicativos, recrutando pessoas em modelo Uber, em casos emergenciais.
- Criar soluções de transporte de passageiros que cumpram padrões sanitários adequados para levar e trazer pessoas de suas casas para as lojas.
- Subsidiar transporte individual ou reembolso de combustível caso seja preciso.
- Desenvolver e ofertar cursos on-line para reforçar cuidados e capacitar.
- Recrutar somente pessoas que não estejam nos grupos de risco.
- Valorizar a importância desses profissionais e cuidar para que sejam tratados com devidos reconhecimento, dignidade e atenção.
Agora, para os consumidores, um reforço muito importante: não estoquem! Além de ser um ato egoísta, expõe diferentes profissionais ao risco desnecessário e corrobora o pânico; este sim é uma fantasia de nossas mentes tão criativas. Aos nossos antepassados foi pedido para que fossem à guerra. A nós, apenas nos pedem que fiquemos em casa. E isso não pode ser tão complexo assim.
(*) – É CEO do Grupo Croma (https://cromasolutions.com.br/).