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Fintechs mais seguras a partir de garantias regulatórias do Banco Central

em Destaques
segunda-feira, 15 de maio de 2023

Heitor Barcellos (*)

Na manhã de segunda-feira, dia 1º de maio, o governo americano decretou a falência do First Republic Bank. Em março, o mercado recebeu a notícia a respeito do fechamento do Silicon Valley Bank (SVB) pela agência Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC). Desde a crise financeira de 2008, esta última era a maior falência de uma instituição financeira enfrentada até os dias atuais e a segunda maior quebra bancária ao levar em consideração a história dos Estados Unidos da América. Agora foi superada pelo FRB.

O recente acontecimento com o FRB e o SVB, seguido pelas notícias envolvendo Signature Bank, Silvergate Bank e Credit Suisse, e somado ao movimento de desaceleração nos investimentos em startups (cuja parte mais visível foram as demissões em massa), instauraram certa desconfiança nas chamadas fintechs. Variadas teorias surgem em rodas de conversa, redes sociais e afins, com explicações simples e até superficiais, alertando sobre os perigos de manter dinheiro aqui ou acolá.

Mas, afinal, existe algum fundamento nestes temores levantados há um mês? As fintechs estão realmente mais expostas do que os demais grandes bancos tradicionais? No Brasil, a situação é ainda pior do que nos Estados Unidos ou na Europa? Diferentemente do que alegam alguns influenciadores de investimentos, por exemplo, não há fórmula mágica ou respostas fáceis para estas questões. Assim, faz-se necessário uma reflexão profunda para fundamentar uma opinião.

. Como funcionam os bancos? – Partindo de um conceito ultra simplificado, os bancos podem ser considerados marketplaces de dinheiro. Confuso? Então, vale destacar alguns pontos importantes abaixo:

  • – PASSIVOS – de um lado existem pessoas (físicas ou jurídicas/empresas) que ganham mais dinheiro do que gastam e precisam de algum lugar seguro para guardar este dinheiro extra (investimentos/saldo em conta);
  • – ATIVOS – do outro lado, existem pessoas que, em algum determinado momento, gastam mais do que recebem e precisam de um dinheiro extra imediatamente (empréstimos), com a promessa/esperança de que terão mais dinheiro no futuro de modo a arcar não só com o pagamento deste extra, como também de suas despesas recorrentes.

Aqui não é o caso de se aprofundar nos diversos tipos de investimentos (passivos) nem nos vastos mecanismos de empréstimos (ativos). Para resumir drasticamente, de acordo com regulamentação do Banco Central (BC), as instituições financeiras (bancos tradicionais e alguns digitais) precisam garantir o percentual de 20% dos depósitos para o chamado depósito compulsório. A retenção destes valores funciona como um instrumento para garantir a segurança do sistema financeiro, impedindo que os bancos emprestem todo esse dinheiro e fiquem sem caixa.

Todo esse mecanismo é possível ser explicado em um cenário hipotético: um banco no qual a soma dos saldos em conta de todos os seus clientes é de R$ 100 milhões de reais precisa garantir 20% (20 milhões) no Banco Central (depósito compulsório). O restante (R$ 80 milhões) pode ser emprestado para outros clientes ou investido em fundos, títulos públicos, privados, dentre outros.

No caso de eventual desconfiança do mercado ou má administração de uma instituição financeira, pode-se desencadear uma instabilidade generalizada por causa da famosa “corrida ao banco”. É neste momento que um banco pode sofrer um tremendo impacto negativo, quando seus correntistas e investidores acham que ele vai quebrar.

E o que seria isso? Explico: todos os correntistas e investidores correm ao banco para sacar ou transferir dinheiro e, pela lógica do segmento, estas instituições não têm de prontidão o dinheiro para conseguir honrar os depósitos. O dinheiro existe, só não está 100% disponível naquele exato momento, pois depende do fluxo de pagamentos dos clientes com empréstimos.

Nesta corrida, os primeiros (R$ 20 milhões) sacam tudo, mesmo o que não precisavam e, os demais, tais como empresas que desejam pagar funcionários e fornecedores, ou pessoas físicas que precisam pagar suas contas, acabam ficando sem nada. Mas o que isso tem relação com o caso do Silicon Valley Bank?

Especificamente no caso do SVB, uma parcela do caixa estava investido em títulos públicos do governo norte-americano com vencimento longo. Se o banco pudesse esperar este vencimento, não haveria problema algum nesse sentido. Entretanto, com a subida da taxa de juros nos EUA, os novos títulos começaram a valer mais e os anteriores desvalorizaram, fazendo com que, na eventual necessidade de venda destes títulos antes do prazo, ao invés de, digamos, R$ 80 milhões, o banco conseguiria apenas R$ 60 milhões.

Ao observar a situação, o SVB tentou captar dinheiro de maneira súbita, o que alertou um grande investidor que, em um efeito cascata, sugeriu a algumas startups que retirassem seu dinheiro imediatamente do banco. Foi o início da “corrida ao banco” que terminou com a sua inevitável quebra. Fato que, aqui no Brasil, não ocorreria com as chamadas fintechs, onde a situação é bem diferente do que esta apresentada.

As fintechs estão estruturadas por meio de Instituição de Pagamento (IP) ou Sociedade de Crédito Direto (SCD). O órgão regulador (Banco Central) requer que não apenas 20% dos saldos dos correntistas estejam garantidos para momentos de saque , mas sim 100%. Ou seja, a totalidade dos saldos de todos os clientes deve ser mantida em dinheiro e/ou investida em títulos públicos com liquidez imediata, ou seja: caso exista uma corrida às fintechs, garantidamente, 100% do valor depositado nelas, por todos os clientes, poderá ser sacado imediatamente.

Guardadas as devidas simplificações, em linhas gerais, é possível concluir que: no caso de uma corrida aos bancos trazida para a realidade brasileira, independentemente do motivo, se o dinheiro está em uma fintech, constituída sob uma estrutura de IP ou SCD, graças aos mecanismos regulatórios do Banco Central (BC), o usuário deste sistema estará mais seguro do que naquele famoso banco tradicional ou digital. Em um país onde a bancarização (pessoas com acesso a contas bancárias tradicionais ou digitais) cresceu 14 p.p. entre 2017 e 2021, segundo dados da Idwall, tais esclarecimentos se tornam ainda mais relevantes.

O Brasil é uma das nações mais bancarizadas da América Latina e conforme painel organizado na pesquisa Ranking de Experiência de Abertura de Contas Digitais 2022, realizada com mais de 2 mil participantes, ano após ano, os players digitais conquistam espaço no mercado, sendo a instituição principal de 45,5% dos respondentes do estudo. Isso significa que a população está cada vez mais segura em escolher um banco digital. E deveria ficar mesmo.

(*) – É vice-presidente de serviços financeiros da Contabilizei, onde atua como sócio-gestor do Contabilizei.bank, que oferece conta PJ exclusiva para micros e pequenos empreendedores.