Carolina Rezemini (*)
Um valor equivalente a 4,65% do PIB brasileiro tem chamado a atenção de bancos e fintechs que atuam no país. Essa é a quantia movimentada anualmente pelos desbancarizados, pessoas que não têm conta bancária ou a usam com pouca frequência. De acordo com um estudo do Instituto Locomotiva de pesquisas, essa população soma 34 milhões de indivíduos no Brasil, os quais fazem girar, por ano, R$ 347 bilhões. Por sinal, esse número já foi maior.
E a pandemia contribuiu para que ele fosse reduzido. Em 2020, o contingente de desbancarizados no país diminuiu 73%, segundo apurou o estudo “Aceleração da inclusão financeira durante a pandemia da covid-19”, realizado pela Americas Market Intelligence em parceria com a Mastercard. É preciso fazer uma apreciação cuidadosa dos fatores que levaram a essa queda, e quais seriam os próximos passos para a manutenção e o fortalecimento dessa tendência.
Com o avanço da digitalização durante o período pandêmico, muitas fintechs perceberam que havia uma demanda reprimida de consumidores em busca de meios de pagamento para efetuar transações principalmente à distância, na impossibilidade de fazê-lo presencialmente devido às regras de distanciamento social e de restrições à circulação.
Trata-se, em linhas gerais, de uma população com um perfil característico e necessidades específicas. Em sua maioria, abrange mulheres mais jovens, com idades entre 18 e 29 anos, das classes C, D e E, com formação até o ensino fundamental, pelo mapeamento do Instituto Locomotiva. Muitas delas fazem parte de um mercado de trabalho e produção pautado pela informalidade, o que contribui para que efetivem negócios sem a mediação do sistema financeiro.
Na pandemia, a disponibilização do auxílio emergencial foi outro agente mobilizador dos orçamentos dessas pessoas, as quais, ainda que em um patamar de contenção de despesas mais graúdas, se viram detentoras de algum capital. Claro que uma das vias de atendimento a esse público passa pela busca por mecanismos para operações de pagamento, as quais comumente são realizadas em dinheiro. Mas os caminhos vão além dessa vertente.
A oferta de crédito também foi detectada como uma oportunidade a ser explorada. No entanto, especialmente nesse quesito, os modelos tradicionais de inserção no sistema embarraram em alguns dilemas. Um deles é o da análise de risco. No entanto, em relação a esse item, os desbancarizados, por conta mesmo dessa sua condição de exclusão, carecem de um histórico financeiro que possa servir de balizador no momento da concessão de um empréstimo.
Assim, as empresas que passaram a focar esse público-alvo se viram impelidas a correr atrás de alternativas. E elas existem. Todo processo inclusivo pressupõe mudanças de paradigmas. Se alguém está fora do sistema financeiro, obviamente seu perfil de risco de crédito não pode ser medido a partir de movimentações efetivadas dentro desse sistema, simplesmente porque nesse caso elas não estão disponíveis.
Mas os avanços tecnológicos surgem para preencher lacunas como essa. O ser humano costuma ser coerente em seus modos de agir. Há um fio comportamental que permeia diferentes setores da vida e estabelece certa uniformidade psicológica entre as formas de proceder em situações diversas. É desse raciocínio que se passaram a valer novos métodos de avaliação de perfil, que complementam os mais usuais sem ficarem presos apenas a parâmetros financeiros.
Com o uso de técnicas avançadas de analytics, ações que à primeira vista nada têm a ver com o universo de ganhos e gastos monetários tornam-se inputs significativos para detectar atributos de uma pessoa no campo das finanças. As maneiras pelas quais interagimos com nossos smartphones, por exemplo, podem ser indicativos de nossa conduta ao quitar dívidas, e já há modelos de scores de crédito que se baseiam em dados desse tipo para compor análises de risco.
E, já que estamos falando de psicologia do comportamento humano, a oferta de produtos e serviços para os desbancarizados envolve justamente o amplo entendimento de suas necessidades, seus temores, seus hábitos. É preciso ter todo um cuidado de aliar a disponibilidade de crédito para esse público com a educação financeira, no intuito de fomentar a utilização consciente e inteligente de recursos para evitar endividamentos desnecessários ou excessivos.
Afinal, usufruir dos benefícios do sistema pressupõe o aprendizado de suas particularidades. As instituições financeiras estão atentas a esse filão de negócios. De acordo com um estudo do hub de startups Distrito, publicado em 2020, 38% das fintechs brasileiras estão com seus radares nos desbancarizados, dispostas a lhes oferecer crédito, facilitar pagamentos, orientar nas finanças pessoais e ajudar no controle das dívidas, e tudo isso pelos meios digitais.
Não é de se estranhar esse interesse. O equivalente a uma fatia generosa do PIB, quase 5%, circula pelo mercado à espera das melhores oportunidades de investimento. Olhar para essa grandeza com cuidado é uma grande chance de evolução do sistema financeiro, e ela não pode ser desperdiçada.
(*) – Formada em Engenharia de Produção pela FEI, com pós pela FGV e MBA pela USP, é Diretora Regional de Vendas para a América Latina da Credolab (https://www.credolab.com/).