Giuliano Pauli (*)
Sem que percebamos, elas estão cada vez mais presentes em nossas vidas. Pode parecer estranho, mas trata-se de bactérias que se agigantam e agem nos mais distintos setores, formando um exército de soluções para a humanidade. Definida pela ONU como a aplicação tecnológica que usa sistemas biológicos ou organismos vivos para fabricar ou modificar produtos ou processos com utilização específica, a Biotecnologia movimenta valores estratosféricos e revela o quanto se tornou essencial para o mundo.
Trata-se de um mercado gigantesco. De acordo com um recente estudo da Grand View Research, a expectativa é atingir a impressionante marca de US$ 2.44 trilhões em movimentações financeiras até 2028, vivenciando uma taxa anual de crescimento de 15,85%. Apenas este ano, as Biotech que abriram capital arrecadaram a expressiva marca de US$ 89 bilhões, boa parte nos Estados Unidos.
Por aqui a biotecnologia mostra sua força no pulsante agronegócio brasileiro. Estudos da CropLife Brasil, demonstram que os produtos biológicos já atingem 25% das áreas cultivadas no País. Cinco anos atrás esse patamar era de apenas 3%.
No agronegócio, o uso da biotecnologia cresce ao redor de 20 % ao ano, o que demandaria para os próximos 10 anos, no mínimo, quintuplicar a capacidade industrial hoje instalada das empresas que atendem esse segmento.
O boom das commodities agrícolas, que trará ganhos significativos ao Brasil no curto e médio prazos, deve acelerar ainda mais esse processo, já que precisará apoio de avançadas tecnologias, em linha com a agenda de sustentabilidade. Impossível enxergar um cenário de expansão do agro, sem o apoio essencial das biotechs. O Brasil se tornou referência no uso de biológicos na agricultura.
A fixação biológica de nitrogênio com o emprego de inoculantes – apenas na cultura da soja – representa uma economia de US$ 15 bilhões ao ano. O processo permite a redução no uso de fertilizantes nitrogenados, poupando a emissão de 165 milhões de toneladas de CO2 equivalente. No controle de pragas os bionematicidas já representam um mercado maior que os nematicidas químicos, demonstrando o potencial de crescimento dessas tecnologias.
São incontáveis as áreas que a biotecnologia tem penetrado. Sua capilaridade e aplicabilidade a relacionam de forma íntima com a criatividade. Há descobertas que apontam que determinados tipos de microrganismos são capazes de ‘comer’ plástico, podendo se transformar, em breve, em um importante aliado dos processos de reciclagem. Há ainda fibras de origem microbiana que podem ser mais duras que o aço e mais resistentes que o Kevlar.
As aplicações ambientais, em um momento em que cresce a necessidade de as empresas abraçarem a agenda ESG entram em áreas como óleo e gás, reúso e tratamento de águas, e no estímulo para transformação de matrizes energéticas limpas. As possibilidades são excitantes. A Pandemia também colocou-a no holofote global com as indústrias farmacêuticas recebendo mares de recursos para o desenvolvimento de tratamentos inovadores.
A urgência pelo desenvolvimento de vacinas em velocidade histórica, catapultou startups como a Moderna e a BioNTech. A vida tal qual conhecemos hoje é resultado de alterações catalisadas pela biotecnologia. A transição de uma atmosfera rica em metano, hidrogênio e amônia (4,5B anos) para a que conhecemos hoje com a presença de oxigênio só ocorreu pela ação de microrganismos.
O avanço nas técnicas moleculares promove descobertas sem precedentes. Hoje sabemos que mais de 100 trilhões de microrganismos simbióticos vivem sobre ou dentro do corpo humano, desempenhando papel fundamental para a saúde ou na incidência de doenças.
A microbiota intestinal carrega 150 vezes mais genes que os encontrados no genoma humano. Estudos apontam que alterações no microbioma podem ser um dos responsáveis pela incidência de diversas doenças como Diabetes e Obesidade. A ciência dos organismos vivos será mais uma aliada da medicina.
O Brasil, celeiro do mundo na produção de alimentos, avança para se tornar um dos principais pólos em biotecnologia. Somos um oásis para estudos e prospecções, pois temos a maior biodiversidade com 20% do total de espécies da Terra. Em um cenário em que a descoberta de novos ingredientes ativos químicos está cada vez mais difícil, a biodiversidade brasileira e suas moléculas biológicas, representam um oceano azul de oportunidades futuras.
São inúmeros projetos que podem contribuir para que o País se torne referência global. Temos que aproveitar o momento de retomada econômica para que haja uma reindustrialização do Brasil tendo a biotecnologia como uma das principais matrizes inspiradoras. Há novidades no radar que devem expor positivamente o Brasil na América Latina, ainda neste segundo semestre.
É possível enxergar o poder transformador da biotecnologia, quando imaginamos que até na década de 50 eram necessários 4500 kg de pâncreas de suínos para produzir menos de meio quilo de insulina, e que hoje bactérias produzem esse insumo em fermentadores. Além disso, em breve será possível beneficiar algumas espécies de microrganismos do digestivo humano para reduzir a necessidade de aplicação externa de insulina.
É indiscutível que o crescimento sustentável de nosso planeta passa necessariamente pela evolução da biotecnologia.
(*) – É diretor de inovação da Superbac, empresa pioneira em Biotecnologia no Brasil ([email protected]).