Júlia Eugênia Cruz e Campos (*)
São muitas as empresas brasileiras que utilizam transporte rodoviário de cargas e, por isso, se valem da mão de obra de motoristas contratados com Carteira de Trabalho assinada para o desenvolvimento do seu negócio. Nesta modalidade de contratação, o empregador deve fornecer ao seu funcionário todos os benefícios e vantagens legais e convencionais decorrentes do contrato de trabalho celebrado.
Assim, como em toda relação empregatícia típica, é dever do empregador zelar pela saúde e segurança de seu empregado e fornecer as ferramentas de trabalho necessárias ao desenvolvimento do serviço. Além disso, a empresa contratante deve garantir que a jornada de trabalho desenvolvida não esteja em desacordo com os limites legais, que o colaborador usufrua de todos os intervalos legais e administrativos necessários, bem como que as disposições decorrentes dos instrumentos coletivos sejam devidamente aplicadas.
Trata-se, pois, de mão de obra extremamente onerosa ao empregador que, além de ter que assegurar todos os direitos mencionados, ainda detém responsabilidade sobre qualquer infortúnio ocorrido com o empregado e está exposto ao dever de recolher tributos. O que muitos empresários desconhecem, contudo, é a possibilidade de se valerem de outro tipo de mão de obra, mais acessível e livre dos encargos decorrentes do vínculo empregatício, para cumprirem com seu objetivo social.
Trata-se de previsão expressa na Lei?nº 11.442/2007, que dispõe sobre o Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) realizado por terceiros, mediante remuneração paga pela empresa contratante. A lei dispõe sobre a possibilidade de as empresas transportadoras se valerem do serviço prestado por Transportadores Autônomos de Cargas (TAC) ou por empresas de Transporte Rodoviário de Cargas (ETC), que cumpram com os requisitos legais exigidos para o transporte de suas cargas, sem que seja configurado qualquer vínculo empregatício entre o profissional autônomo e a empresa contratante.
A norma dispõe que a contratação será formalizada por contrato, por meio do qual restarão estipuladas todas as regras e condições da prestação dos serviços. Para atuar como transportador autônomo, o TAC deverá ser proprietário, co-proprietário ou arrendatário de pelo menos um veículo automotor registrado em seu nome como veículo de aluguel e contar com pelos menos três anos de experiência ou ter sido aprovado em curso específico.
Ainda, o TAC poderá ser agregado, quando ele coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade, ou independente, quando o serviço é prestado sem exclusividade, mediante frete ajustado a cada viagem.
Ao contrário do que ocorre em contratos de prestação de serviços de profissionais autônomos comuns, em que as empresas ficam mais expostas ao risco de reconhecimento da existência de relação empregatícia quando constatada a exclusividade e a habitualidade da prestação de serviços, por meio do contrato de agregamento é perfeitamente possível que o serviço se dê em caráter exclusivo ao dono da carga, com remuneração padronizada e sem a existência de vínculo de emprego.
Assim, mesmo com a presença de requisitos que teoricamente levariam à constituição de uma relação de emprego, tais como a onerosidade, pessoalidade, a não eventualidade da prestação dos serviços (no caso de TAC – agregado), se observadas as demais regras positivadas pela Lei nº 11.442/2007 ao longo da relação comercial, o contrato celebrado entre o TAC e a empresa proprietária afastará o reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes.
Outro ponto que vale ser destacado é que, para se valer desse tipo de serviço, não é necessário que a empresa disponha de veículo de sua propriedade para a efetivação do transporte, o que, sem dúvida nenhuma, acarreta a redução de custos decorrentes de seguro do veículo, manutenção e abastecimento. Isso porque, necessariamente, na condição de prestador de serviços autônomos, o TAC deve arcar com toda e qualquer despesa decorrente do veículo utilizado no transporte, responsabilizando-se, inclusive, civil e criminalmente, por qualquer infortúnio ocorrido na atividade.
A Lei nº 11.442/2007 é expressa ao dispor que?a responsabilidade do TAC sobre a carga cobre o período compreendido entre o momento do seu recebimento até a sua entrega ao destinatário. Assim, ao contrário do que acontece nos transportes realizados por motoristas empregados, contratados pela empresa transportadora com carteira de trabalho assinada, salvo algumas exceções previstas em lei, a responsabilidade pela integridade da carga durante o trajeto é transferida ao TAC, o que desonera a atividade empresarial e reduz eventual obrigação decorrente de sinistros ocorridos no transporte.
Da mesma forma, caso reste pactuado o prazo de entrega da carga em contrato e o TAC descumpra com tal disposição, ele responde pelos prejuízos decorrentes do atraso. Da mesma maneira, em razão da natureza autônoma da prestação dos serviços, não haverá necessidade de pagamento de horas extras ou quaisquer outros direitos previstos na CLT ou nos instrumentos coletivos aplicados aos empregados da empresa, exclusivos a funcionários contratados sob o regime celetista.
Desta forma, qualquer questão relativa à relação comercial havida entre a empresa e o TAC será resolvida pela Justiça Comum, e não pela Trabalhista, como é no caso dos motoristas empregados. Entretanto, a empresa contratante deve ter atenção especial ao requisito da subordinação para não caracterizar o vínculo de emprego. Neste aspecto, vale lembrar que o contratante não deve exigir controle de jornada, uniforme, uso de logomarca e que o TAC não deve estar diretamente subordinado a algum empregado da empresa.
O TAC não deve ser advertido ou ter penalidades aplicadas como ocorre com um empregado comum. Qualquer questionamento relativo à prestação de serviços deve ocorrer apenas de forma comercial, levando em consideração o que foi acordado no contrato.
Eliminado o mencionado risco, entende-se que a contratação de transportadores autônomos de cargas em face de motoristas empregados representa importante vantagem às empresas transportadoras, sobretudo pela transferência da responsabilidade civil empresarial sobre o transporte e pela redução de custos do serviço contratado, que não conta com a onerosidade característica dos contratos formais de trabalho.
(*) – É Advogada da Área de Relações de Trabalho e Consumo na Andrade Silva Advogados.