
Com juros elevados e um cenário global mais acirrado, as empresas brasileiras precisam inovar para se manterem competitivas
Fabrizio Gammino (*)
A reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos marca um novo ciclo de protecionismo, impondo obstáculos adicionais à economia global e, consequentemente, à indústria brasileira, que enfrenta o desafio de se adaptar a um ambiente marcado por barreiras comerciais rígidas para garantir competitividade e a sustentabilidade dos seus negócios. Mas o que as empresas podem fazer para não apenas sobreviver, mas prosperar em um cenário adverso?
É essa questão que norteia o estudo “Como chega a Indústria Brasileira na Era Trump 2” desenvolvido pela Gröwnt (antiga GT Group). A análise feita pelo nosso time revela uma indústria com margens de lucro cada vez mais pressionadas: enquanto o EBITDA médio do segmento é de 16%, o lucro líquido ajustado estornado o efeito contábil depreciação e amortização é de apenas 11%, e o lucro líquido final de 6%. Além disso, a taxa Selic, projetada para atingir 15% em meados de 2025, encarece ainda mais o custo do crédito e limita a capacidade de investimento das empresas.
Juros altos, endividamento e rentabilidade: um jogo pela sobrevivência
O aumento dos juros torna o endividamento um problema crítico para o setor produtivo nacional. De acordo com o estudo da Gröwnt, 31% do EBITDA das empresas é consumido pelo pagamento de dívidas. Esse dado revela um problema estrutural que sempre foi um entrave para a indústria e pode limitar a capacidade das companhias de inovar e expandir seus negócios.
A resposta natural das empresas para esse problema tem sido recorrer ao mercado de capitais. Em 2024, a emissão (recorde) de debêntures no Brasil ultrapassou meio trilhão de reais, evidenciando a necessidade de repensar os mecanismos de financiamento. No entanto, o endividamento deve ser gerenciado com estratégia: enquanto algumas empresas podem levar mais de cinco anos para quitar suas dívidas, outras, com uma estrutura financeira mais sólida, conseguem liquidá-las em até dois anos.
Além dos passivos, é importante ressaltar que a sobrevivência da indústria depende de três fatores essenciais. O primeiro é a geração de riqueza, um indicador-chave do potencial competitivo das empresas, que atualmente se mantém em 33,33%. O segundo é o peso dos juros sobre essa riqueza: hoje, um terço do que é gerado pelas indústrias brasileiras é consumido pelo pagamento de juros de dívida, limitando o crescimento e reforçando a necessidade de repensar os modelos de financiamento. Por fim, o investimento em inovação se torna um fator decisivo, mas ainda insuficiente — apenas 33,33% das empresas estão ativamente engajadas na adoção de novas tecnologias e na criação de novos produtos e processos como diferencial competitivo, impactando diretamente suas chances de se manterem relevantes no mercado e alcançar a sustentabilidade dos negócios no longo prazo.
Em suma, empresas que souberem administrar seus passivos de maneira estratégica e equilibrada terão mais resiliência para enfrentar períodos de incerteza, minimizando os impactos negativos.
Protecionismo em evidência
Com Trump de volta à Casa Branca, a tendência é que as medidas protecionistas se intensifiquem, impondo desafios ainda maiores às exportações brasileiras. Setores como agronegócio e manufatura devem sentir os impactos de tarifas adicionais e barreiras sanitárias, tornando fundamental que o país diversifique seus mercados e busque novos acordos comerciais.
Na minha visão, o Brasil precisa agir com rapidez para fortalecer suas relações comerciais com a União Europeia, a Ásia e outros mercados estratégicos. A dependência excessiva dos EUA como principal parceiro comercial representa um risco crescente para a estabilidade de diversas indústrias. Além disso, a onda de reshoring – que estimula o retorno da produção fabril para os países de origem – pode reduzir ainda mais as oportunidades para as exportações brasileiras.
Isso significa que estamos diante de uma mudança estrutural na organização da indústria global. O modelo baseado na terceirização e na produção em mercados emergentes está sendo revisto, e o Brasil precisa se posicionar de forma estratégica. Em vez de apenas exportar commodities, é essencial agregar valor à produção nacional e consolidar sua competitividade no cenário internacional.
Inovação: pilar da resiliência industrial
Considerando esse panorama desafiador, investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D) deixou de ser um diferencial para se tornar uma questão de sobrevivência. Ainda de acordo com o estudo, empresas que acessam financiamentos de longo prazo e com juros reduzidos, garantem maior resiliência frente à volatilidade do mercado. No entanto, isso ainda é uma exceção, e o Brasil segue com um volume de investimentos em inovação abaixo do necessário para competir globalmente.
Diante dessa realidade, o Governo tem investido em diversas frentes para impulsionar a industrialização da economia brasileira. Recentemente, foram anunciadas atualizações no plano “Nova Indústria Brasil” (NIB), que prevê R$ 300 bilhões em investimentos até 2026, geridos pelo BNDES, Finep e Embrapii. Além disso, novos programas foram lançados para fortalecer a reindustrialização do país.
Nesse contexto, políticas públicas como a Lei do Bem e os financiamentos da FINEP e do BNDES são fundamentais para viabilizar projetos inovadores, mas a burocracia e a complexidade no acesso a esses recursos ainda representam entraves que limitam seu impacto. Para que o Brasil avance, é necessário simplificar processos e ampliar o acesso ao crédito para inovação, permitindo que mais empresas invistam em pesquisa e desenvolvimento de forma consistente e estratégica.
O futuro da indústria brasileira: sobreviver ou liderar?
Os desafios impostos pelo novo panorama econômico global são incontestáveis, mas também abrem espaço para novas oportunidades. O futuro da indústria nacional não será definido apenas por fatores externos, mas, sobretudo, por escolhas estratégicas. A qualificação da mão de obra, a digitalização dos processos e o compromisso com a inovação serão os pilares que determinarão quais empresas irão fracassar e quais irão liderar a transformação do setor.
Os próximos anos serão decisivos para a indústria brasileira. A grande questão não é apenas se o setor conseguirá superar os desafios, mas se será capaz de reinventar seu papel no cenário global e se consolidar como um protagonista da nova economia mundial. A resposta virá das companhias que souberem inovar e se adaptar antes que seja tarde demais.
(*) Co-CEO da Gröwnt.