Marcelo Furtado (*)
Os últimos 20 meses mudaram as bases do trabalho e da gestão de equipes no ambiente corporativo. A necessidade de isolamento social mudou um dos alicerces do trabalho nas empresas — ir ao escritório deixou de ser imperativo para o negócio. Esse é um movimento que já vinha sendo discutido.
Nos Estados Unidos, por exemplo, uma pesquisa do Gallup mostrou em 2018 que 43% dos trabalhadores atuavam de forma remota pelo menos uma parte do tempo. Na terra do Tio Sam, já estava claro que colocar as equipes em home office dois ou três dias por semana gerava aumento de produtividade.
Aqui no Brasil, porém, uma cultura menos voltada à medição de resultados e mais direcionada a “manter o controle” fez com que, naquele mesmo 2018, apenas 5,2% dos trabalhadores trabalhassem de casa. E é claro que a pandemia virou essa realidade de cabeça para baixo: ainda é cedo demais para números sólidos, mas todos nós estamos trabalhando em home office e a discussão tem a ver com o modelo a ser adotado no retorno ao escritório.
Cada empresa terá sua receita, de acordo com sua cultura, com a capacidade de conexão das equipes e com a efetiva necessidade de ter todo mundo debaixo do mesmo teto o tempo todo. Um grande ganho desses últimos dois anos é deixar muito clara a diferença entre “querer” e “precisar” ter toda a empresa fisicamente no mesmo lugar: a cultura de muitas corporações faz com que o trabalho presencial seja preferido, mas ele não é mais a única possibilidade — e, em muitos casos, nem mesmo a melhor.
. O desafio da montagem de equipes – Sejamos sinceros: em muitos aspectos, o trabalho 100% presencial funciona muito bem. Um bom exemplo é o desenvolvimento da cultura. A transmissão de princípios, valores e ideias acontece mais rapidamente quando todos estão o tempo todo convivendo com aquele ambiente e presenciando, com exemplos e atitudes, a criação dessa cultura.
Em um mundo remoto, boa parte dessa construção de cultura pode se perder em meio às chamadas do Zoom, as trocas de e-mails e as pausas para cuidar das coisas da casa. A tecnologia pode desempenhar um papel essencial na superação desse problema, mas, para isso, é preciso ter um olhar de marketing digital sobre o relacionamento com os colaboradores.
Como assim? As boas práticas de marketing digital mostram que, para ter um bom relacionamento com o cliente e alcançar seus objetivos, as empresas precisam entender o comportamento do seu público e desenvolver comunicações personalizadas, que alcancem o cliente no momento mais adequado. A ideia é fazer o público percorrer a jornada de consumo e avançar até a compra de um produto / serviço.
Pense agora que o “produto/serviço” é a própria empresa. Afinal de contas, o que o gestor de RH precisa fazer é “vender” a cultura, os valores e o propósito do negócio — muitas vezes, para colaboradores que nunca colocaram os pés no escritório da marca.
Em um grupo, o senso de equipe só acontece quando os colaboradores entendem que têm uma missão e estão todos caminhando na mesma direção. É preciso criar esse sentido de grupo — mas em equipes remotas. Para isso, é possível utilizar recursos como:
• Coffee breaks virtuais: a versão no Zoom da pausa para o cafezinho ajuda a diminuir o isolamento no dia a dia;
• Bate-papos e happy hours: em equipes remotas, essas atividades também passam a ser feitas online. Definir momentos para conversas ajuda as pessoas a conhecerem melhor umas às outras;
• Novas dinâmicas nas reuniões: processos que acontecem naturalmente em contatos pessoais, como a troca de ideias, precisam ser estimulados no digital. Quando isso não acontece, temos lives intermináveis e entediantes, em vez de momentos de comunicação e debate;
• Games: muitas empresas têm mesas de sinuca e videogames em seus ambientes de descompressão. Que tal criar salas de descompressão virtuais, com games que possam ser jogados em time?
Nenhum desses recursos é uma “bala de prata”, mas cada um deles gera um ganho para a empresa e para o relacionamento entre as equipes.
. O poder dos algoritmos – Sempre que apresentamos esse tipo de ideia, há um misto de empolgação e descrença. Empolgação porque a possibilidade de aumentar a integração entre equipes remotas é interessante, mas descrença porque a execução pode ser um problema. Quantas pessoas envolver em cada dinâmica ou game? Como organizar os coffee breaks? Enfim, as questões práticas de execução começam a se avolumar.
É aqui que, como sempre, a tecnologia faz uma diferença incrível. Um algoritmo pode montar salas de acordo com temas de interesse, reunindo, por exemplo, roqueiros em uma sala de bate-papo, pagodeiros em outra, palmeirenses em uma terceira sala, mães com filhos pequenos em uma quarta. E de onde vêm as informações que alimentam esse banco de dados de preferências?
Parte já está estruturada em praticamente todos os sistemas de RH. As datas de nascimento dos filhos costumam estar no sistema, já que esse dado é usado para, por exemplo, definir benefícios como assistência-creche. Já itens como o time favorito, hobbies, música, esportes que pratica e outros podem ser registrados em campos personalizados, que proporcionam uma experiência única para empresas e colaboradores.
Com inteligência, criatividade e o uso de tecnologia, as áreas de RH podem criar diferentes modelos de relacionamento entre os colaboradores. Dessa forma, melhoram a integração dos times, desenvolvem relações mais significativas e fazem com que a empresa ocupe, mesmo virtualmente, o mesmo papel social relevante que tem no mundo físico: o de criadora de conexões entre pessoas.
E são essas conexões que constroem o espírito de equipe e levam empresas e negócios a crescer cada vez mais.
(*) – Administrador de empresas com pós em engenharia financeira pela Poli- USP, é CEO e cofundador da Convenia (www.convenia.com.br)