Adriana Molha (*)
Apesar do Metaverso e dos NFTs terem ganhado bastante espaço na mídia tradicional nos últimos tempos, os termos ainda não fazem parte do cotidiano da maioria das pessoas. Afinal, é natural que essas buzzwords como Blockchain, NFTs, IAs, levem parte da população – em especial no Brasil – a pensar que os assuntos envolvendo inovação pareçam ser restritos ao mundo das startups, sendo algo muito fora de suas alçadas. O que definitivamente não é verdade.
No entanto, existem poucos cursos brasileiros quando se trata da formação de profissionais para entender a nova geração de tecnologias e o mindset da Web3. As tecnologias não se resolvem sozinhas, sendo necessário desenvolver uma cultura baseada na identificação de problemas para então observar quais tecnologias – e suas respectivas combinações – nos ajudam a resolvê-los.
A própria Web3 nasce a partir dos desafios da Web2: comunidades, propriedade, soberania de identidade, descentralização, entre outros. O problema da capacitação no Brasil passa por um histórico do mercado, não sendo apenas uma questão relevante para a Web3. Estamos falando da escassez de desenvolvedores nas mais diversas áreas e também do movimento do quite quitting. Soma-se a isso a relutância das pessoas em pensarem sobre “tecnologia” para além de alguns setores.
Os cursos atuais que abordam a temática da Web3 possuem o desafio da atualização, já que de forma geral, tecnologias estão sempre em expansão e a Web3 segue se desenvolvendo. Por isso que quando falamos sobre capacitação tecnológica e, em especial, inovação a partir de ferramentas Web3, os Estados Unidos continuam sendo uma boa referência. O que não significa que o Brasil não seja um dos países mais avançados com suas bases tecnológicas e pautas sobre regulação e sandboxes como, por exemplo, o pioneirismo do nosso Banco Central nestas pautas.
Ainda como referência nos Estados Unidos, por lá, as comunidades de Web3 já estão mais maduras, bem como os próprios cases de aplicação de Web3 por parte das grandes empresas nas áreas de Blockchain, Inteligência Artificial e até mesmo as propostas de regulamentação de ativos digitais por parte da SEC (CVM americana). De um lado, tem o Congresso Americano discutindo pautas de regulamentação e, do outro, o mercado financeiro com ventures capitals dedicando boa parte dos seus investimentos para startups que trabalhem com tecnologias disruptivas.
Este casamento movimenta o espaço de capacitação, aliados às universidades americanas que estão sempre tentando buscar alinhamento mercadológico com as tendências ditadas pelo Vale do Silício. Por ser uma revolução de mindset que impacta a maneira com que vivemos e trabalhamos, acredito que os cursos universitários no geral deverão se adequar para incorporar conceitos da descentralização.
Afinal, a temática Web3 é transversal, não se trata de especialização única. Assim, por se tratar de um ambiente propício ao conhecimento e à inovação, as universidades devem ser o lugar para o debate saudável da construção da Web3. Mas como a Web3 é um desejo que nasce da descentralização e da soberania dos dados do usuário, também existem movimentos independentes de comunidades dedicadas a expandir esse conhecimento.
Como por exemplo, a Bankless, que é uma DAO dedicada à discussão das finanças descentralizadas e que possui o objetivo de empoderar sua comunidade a partir de conteúdos e encontros sobre o assunto. Nesse sentido, o Brasil não está tão atrás, com várias comunidades que se dedicam a capacitar pessoas, seja por meio de talks no Discord, encontros no Twitter Spaces e eventos. Fora da bolha, centros de educação mais tradicionais também estão cada vez mais atentos à disrupção da Web3.
A tendência no curto prazo é que cada vez mais universidades e demais instituições de ensino promovam esses encontros, tanto para atualizar seus alunos, quanto para testar a temática em suas ementas acadêmicas. É por isso que grandes empresas já estão impulsionando experiências com Web3 e criando novos produtos. Algumas já até criaram produtos dedicados a projetos em Web3. Assim, essas mesmas empresas buscam profissionais que tenham conhecimento em determinados campos da Web3, para assim gerar uma capacitação interna.
Até agora, a capacitação para Web3 fora da bolha tem sido uma ação top-down: empresas promovem o conhecimento entre seus funcionários. A boa notícia é que a própria comunidade da Web3 está se esforçando para atrair mais pessoas para este universo. A meu ver, não entender a Web3 seria como chegar em qualquer empresa e não saber utilizar a internet para enviar e-mails, por exemplo. Por isso, destaco o papel da literacia digital como o modo de sobrevivência no mercado de trabalho.
Para não soar tão apocalíptica, friso que a Web3 é um espaço democrático de conhecimento e está mais ligada aos princípios de comunidade e desejos dos consumidores do que a um mundo de programação com zeros e uns. Por outro lado, o assunto Web3 ainda é bastante recente e precisamos entender que todas as revoluções tecnológicas possuem seu próprio ciclo.
Além de estarmos conscientes de que as tecnologias avançam mais rápido do que nossa capacidade de absorvê-las e aplicá-las. É nesse momento que surge a responsabilidade para promovermos capacitação e tornar o acesso à internet e às informações um bem para todos.
(*) – Graduada em Marketing pela ESPM e especialista em negócios, com MBA em Gestão Empresarial pela Business School SP e MBA em Inovação e Capacidades Tecnológicas pela FGV. é fundadora da Go Digital Factory (https://godigitalfactory.com.br/).