André Zogbi (*)
Caminhar na Times Square talvez seja uma das experiências mais próximas do que realmente significa ser bombardeado por propagandas. Kodak, McDonald’s e outras marcas lutam através de painéis luminosos para atrair a atenção dos pedestres a praticamente qualquer custo.
Mas o que ocorre entre a 7ª e 8ª avenida em Nova Iorque se trata apenas de parte da batalha travada pelas incontáveis marcas que tentam atrair nossa atenção no noticiário, nas revistas, na TV, etc. No entanto, a insistência publicitária parece ser mais poderosa do que sentimos.
Na próxima vez em que assistir ao noticiário, conte quantas propagandas de empresas voltadas para consumidores aparecem versus a quantidade de anúncios de empresas focadas em atender outras empresas. O que você perceberá reforçará uma visão contorcida da realidade com a qual sempre vivemos: a de que o B2C é um mercado maior que o B2B.
Enquanto a frequência com a qual somos expostos a anúncios de empresas B2C nos faz acreditar que o B2B equivale a uma fração do que as empresas voltadas para consumidores representam na economia global, a realidade é a oposta. Estimativas do tamanho real do mercado de eCommerce B2B e B2C foram recentemente feitas e, apesar de fontes diferentes indicarem números discrepantes, o B2B foi unanimemente colocado em frente ao B2C em termos de tamanho.
Segundo o eCommerceDB, em 2020 o mercado de eCommerce B2B gerou receitas na ordem de US$14,9 trilhões, mais de cinco vezes o que foi gerado pelo B2C, um número que deve crescer para mais de US$25,6 trilhões até 2028, conforme apontado pelo Grand View Research. Apesar de estarmos nos referindo especificamente a empresas do segmento de eCommerce, a tendência é válida para as indústrias B2B e B2C em sua totalidade.
Esta realidade também se aplica ao mercado de venture capital, mesmo que menos intensamente. Segundo o Pitchbook, mais de 39 mil startups B2B foram registradas em sua plataforma até o final de novembro de 2022, contra pouco mais de 38 mil empresas B2C. A diferença é menor que a observada na indústria como um todo, mas ainda assim quebra o velho paradigma de que B2C é mais representativo que B2B de forma geral.
O Pitchbook também aponta uma quantidade ligeiramente maior de transações de startups B2B concluídas em 2021 comparado às organizações B2C, indicando uma diferença de 7% neste sentido, assim como 10% mais capital investido no mesmo ano em startups B2B do que naquelas voltadas para consumidores.
. Desequilibrando as diferenças – Apesar de ser compreensível que conheçamos mais organizações B2C do que B2B, a solidez e resiliência que negócios voltados para outras empresas tendem a oferecer desde o início de suas vidas têm sido os principais fatores responsáveis por atrair investidores.
Empresas B2C bem desenvolvidas crescem mais rapidamente que aquelas B2B na maior parte dos casos, mas isso geralmente ocorre como forma de equilibrar o aspecto financeiro de suas operações, dadas suas margens mais apertadas.
Enquanto companhias B2C costumam investir a maior parte de seus esforços de venda em continuamente adquirir novos clientes, organizações B2B focam na retenção dos clientes já adquiridos, o que custa em média cinco vezes menos que buscar novos compradores.
Além disso, uma vez tendo sido devidamente implementada a solução B2B, recuar um passo requer grande esforço da contratante, o que contribui para a retenção de clientes do lado B2B. Organizações B2B costumam gerar receita consideravelmente mais cedo que suas contrapartes B2C.
Algumas empresas voltadas para consumidores priorizam a expansão de sua base de clientes e a coleta de dados para monetizá-las em um segundo momento, deixando de lado a geração de receita imediata por anos a fio antes de descobrirem como gerarem caixa. O B2B, por outro lado, não costuma postergar a geração de receita ou depender da monetização de bases de dados ou da expansão da base de clientes.
Startups B2B também apresentam outra vantagem contra aquelas do tipo B2C: liquidez. Do início de 2013 ao final de 2022, aproximadamente 7.400 aquisições B2B foram consolidadas, contra cerca de 6 mil do tipo B2C. E, contradizendo o que parece ser consenso, a teoria de que IPOs em B2C são mais frequentes parece não se passar de um mito, dado que 13,9% de todas as saídas B2B ocorreram via IPO, contra 11,6% no B2C, de acordo com o Pitchbook.
A própria resiliência de valor também se mostra diferente entre os dois segmentos. Ao longo dos últimos anos, por exemplo, de acordo com o Pitchbook, o valuation de startups early-stage B2C caíram durante a pandemia e como consequência do momento de mercado atualmente volátil, apesar do aumento médio no longo-prazo.
Suas contrapartes B2B, no entanto, apresentaram aumento ininterrupto de valuation desde 2019, atraindo cada vez mais atenção dos investidores que têm dado mais peso à geração de receita do que anos atrás.
Nos últimos anos o valuation pre-money de startups B2B ultrapassou o de B2C. Na média, empresas B2C tendem a levar mais tempo para serem adquiridas, o que significa que, quando isso ocorre, elas já maturaram e, consequentemente, apresentam valuations maiores.
Além disso, startups B2C são adquiridas menos frequentemente por M&A ou através de transações estratégicas, que geralmente envolvem valores menos expressivos, independentemente do múltiplo de saída da operação. Porém, desde 2019, startups B2B também bateram startups B2C em valuation, refletindo o fato de que investidores estão dispostos a pagar mais pelas empresas que se mostraram operacionalmente viáveis e resilientes através da geração de receita.
. Perspectivas – O ritmo com o qual o B2B tem crescido parece irreversível pelos próximos anos, portanto não devemos observar grandes surpresas quanto à sua relevância quando comparada à do mercado B2C.
Parte da razão para esta tendência é o fato de que, após dois ajustes consecutivos de preços em um espaço de apenas dois anos, investidores passaram a analisar startups sob outras perspectivas, exigindo geração de receita mesmo de empresas B2C em estágio inicial como forma de garantir algum fundamento e coerência para seu valuation.
Ainda é cedo para assumir que a forma como os investidores se comportarão frente ao mercado B2C mudará estruturalmente, dado que as primeiras mudanças começaram a tomar forma apenas recentemente.
No entanto, startups B2C deverão passar a adotar algumas das características responsáveis pela resiliência que empresas B2B têm apresentado ao longo dos últimos anos.
(*) – Formado em administração de empresas pela FGV, Zogbi é responsável pela atividade de relações com investidores da Mindset Ventures (https://mindset.ventures/).