Luiz Deoclecio Fiore de Oliveira (*) e Eduardo Roque (**)
O instituto da Recuperação Judicial trazido pela Lei 11.101/2005 tem por objetivo preservar a operação da empresa como fonte produtora de recursos numa situação de crise, mantendo os empregos por ela gerados e atendendo o interesse dos credores, tudo isso de forma a cumprir sua importante função social. Segundo dados colhidos pela empresa Boa Vista os pedidos de recuperação judicial em maio de 2020 aumentaram 68,6% em relação ao mesmo período do ano passado.
Não é difícil concluir que tal situação deveu-se à pandemia que impactou globalmente a economia, sendo muito sentida no Brasil, que acabara de emergir de uma crise econômica. Importa salientar, no entanto, que a Recuperação Judicial não pode ser encarada como uma panacéia, esse remédio deve ser utilizado desde que a empresa tenha envidado todos os esforços para realizar extrajudicialmente acordos com seus credores, seja por uma Recuperação Extrajudicial ou mediante acordos individuais.
A crise é universal e com ela surgiram diversas alterações legislativas para que a empresa possa se manter ativa, o que por si só já deveria dar fôlego às empresas e evitar o ingresso judicial. Não se pode negar o direito ao acesso à justiça, porém há decisões que já caminham no sentido de que para que seja recebida a recuperação judicial, o devedor necessita demonstrar que buscou soluções alternativas para resolução dos conflitos.
Nesse sentido, recente decisão da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, indicou que o Poder Judiciário deve aceitar o pedido do processamento judicial, nas palavras do Juiz de Direito Paulo Furtado de Oliveira Filho: “apenas em caso de insuperável necessidade, devidamente justificada, quando incapaz de obter uma adesão da grande maioria dos credores, mesmo tendo se empenhado na negociação, o devedor poderá se valer da recuperação judicial, por ser o meio mais oneroso aos credores, ao Estado, e à sociedade”.
Diante desse precedente judicial devemos então analisar o cenário que as empresas brasileiras se encontram e como elas devem se organizar para que a Recuperação Judicial seja a última alternativa. Atualmente as pequenas e médias empresas são as mais afetadas neste momento de crise global, principalmente no Brasil, onde não temos uma política de crédito que facilita a captação de recursos em situações críticas, como atualmente.
O índice de empresas endividadas, divulgado pela Serasa Experian, desde que foi criado em março de 2016 até a última apuração em dezembro de 2019, teve um aumento de 45%, com 6,1 milhões de empresas inadimplentes. Os valores de dívidas negativadas passaram de 77 bilhões para 115,8 bilhões de reais no mesmo período.
Os sintomas da crise econômico e financeira, iniciam-se geralmente pela redução da capacidade de honrar com os compromissos financeiros, junto aos funcionários, fornecedores e instituições financeiras, levando a rupturas e deficiências na produção e entrega dos produtos e serviços.
As principais causas que geram a crise nas empresas, muitas vezes se dão por falta de planejamento, controle financeiro e estratégia de mercado.
Estamos tratando de empresas na maioria de origem e controle familiar não acostumadas com modelos de negócio mais profissionais. Podemos então buscar as causas, antes mesmo de falar em negociação, renegociação, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial; mudanças culturais devem ser feitas. A condução de um negócio não permite a centralização de controle pelo dono, é necessário delegar funções vitais de gestão das empresas para profissionais especializados.
Deve-se entender o mercado, saber o ciclo de vida dos serviços e produtos que são oferecidos, desenvolver e inovar o negócio. Qualquer medida que venha a ser tomada para solução de crise, combaterá os sintomas, porém antes de se chegar a esse ponto é preciso atacar as causas e fatalmente se perceberá que o ciclo de vida de algumas empresas se acabou. O mercado não da segunda chance para quem chega atrasado.”O portão fecha”.
Se os empresários das PMES se conscientizarem no momento adequado e tiverem um termômetro calibrado, com acompanhamento diário do negócio e que lhes forneça informações sobre sua capacidade de geração de caixa, a presença e importância do seu produto no mercado e como se organizou para ter uma rentabilidade planejada, caso haja alguma dificuldade, a solução tende a ser mais fácil.
Se mesmo com toda a profissionalização do seu negócio a crise se aprofunda, negociar com seus credores é mandatório para em último caso buscar a Recuperação Judicial.
(*) – É administrador judicial e CEO da OnBehalf; (**) – Advogado do Roque Botelho Advogados.