Karina Uchôa (*)
Um tema que inquieta muitas pessoas: como fazer o que gosta, ou gostar do que faz? Em matéria de trabalho fica mais evidente a cada dia o quanto as pessoas têm procurado fazer o que gostam, mas ainda existem muitos que trabalham em atividades que não toleram e são infelizes. E as justificativas são inúmeras, mas em geral poderíamos resumir em “não tenho escolha”. Será? Escolhas têm relação com responsabilidade sim…assumir seu papel de protagonista pela opção que fez ou está pensando em fazer.
E isso incomoda bastante, pois a partir do momento em que um caminho deve ser seguido, isso implica em várias decisões a serem tomadas e principalmente planejamento. Vida é sinônimo de risco, mas não necessariamente de incerteza. Um bom planejamento tem o poder de minimizar as chances que algo possa dar errado, enquanto a incerteza significa agir sem calcular nenhum risco. Planeje!
Quando falamos de síndrome ocupacional uma muito citada é a síndrome de Burnout, apresentada em maio de 2019 na Assembleia Mundial de Saúde. O estado de exaustão vital ou burnout, tem relação com o modo de vida dos indivíduos. Herbert Freudenberger, psicólogo alemão, após passar pela experiência de trabalhar em um ambiente inadequado e com um público extremamente carente de opções desenvolve uma gripe persistente e dores no corpo que desencadeiam o que ele denominou Síndrome de Burnout.
Em 1980 Freudenberger publica a obra “Burn Out: The High Cost of High Achievement. What it is and how to survive it”, onde relata como o próprio título indica o alto custo da alta conquista e como sobreviveu a todos os efeitos da síndrome. Existem pesquisas que demonstram 33% dos trabalhadores padecendo dela. Estudos apresentam que 70% da população já está sendo atingida pela síndrome o que representa um forte impacto no desempenho das empresas e órgão públicos ao redor do mundo.
O aumento significativo a cada ano, refere-se ao fato de que as condições de trabalho em um mundo cada vez mais competitivo, estão piorando e as pessoas doentes, não tem muitas vezes a quem recorrer. O preconceito em buscar tratamentos e o medo de ficarem “rotuladas” e até mesmo serem diminuídas em suas atividades e funções, faz com que muitos colaboradores deixem seu sofrimento de lado pelo salário ou remuneração. E isso possibilita que mais pessoas fiquem debilitadas até chegar ao ponto de toda a instituição adoecer junto.
Quais são os sinais? Lapsos de memória, desinteresse em especial pelo trabalho, falta de concentração, baixa autoestima, irritabilidade, insônia e fadiga constante, enxaqueca, dores musculares e desânimo, por exemplo são relacionados a síndrome podendo chegar ao extremo que é findar com a própria vida, fisicamente ou através de uma ausência conhecida por absenteísmo. Quantos já não passaram por isso acreditando ser normal? Cuidado para não anestesiar sua mente…
O que podemos fazer? Primeiro, ficar atento aos sinais. Pode não ser com você, mas com um colega e você precisa cumprir sua função social. Proporcionar a criação de um sistema de apoio, onde você ou a pessoa que está sofrendo possam pedir ajuda. Não gastar energia com batalha perdida: se você ou seu colega não está mais estimulado a realizar suas tarefas e não fica motivado a continuar na organização, procure mudar, e se não puder naquele momento ocupe sua mente e gaste energia com batalhas que podem ser vencidas.
Cuidar de si é primordial para ser uma pessoa com excelentes resultados tanto na vida pessoal como na profissional. Não adianta ser desequilibrado nesses aspectos. É necessário fazer diferença na sua vida para poder fazer o mesmo pelos outros e em seu trabalho. Por passarmos mais tempo em ambientes corporativos do que em nossas casas, precisamos buscar meios para os quais o trabalho não seja visto como um sofrimento e ainda um lugar que as pessoas não queiram retornar.
Muitos meios para ter produtividade têm sido implantados em novos modelos de negócios, mas não são adaptáveis em todos os ambientes. Precisamos buscar formas de respeitar o funcionário, ou servidor em casos de instituições públicas para que possamos ter resultados excelentes e saudáveis para todos os envolvidos.
Um fenômeno que infelizmente está tornando-se mais comum nas empresas e/ou instituições públicas é o assédio moral. Começou a ser estudado como Psicodinâmica do Trabalho, através das pesquisas de Christophe Dejours sobre saúde mental e sofrimento no trabalho na década de 70. Em 1978, ele publicou um artigo sobre o princípio do prazer no trabalho tema até hoje muito estudado em grupos de psicologia e psiquiatria laboral.
O assédio moral muito difundido no mundo inteiro por pesquisadoras (es) de renome como Marie-France Hirigoyen e Margarida Barreto através de seus estudos, mostram como o mal-estar no trabalho tem prejudicado a saúde das pessoas de forma geral, desde doenças como câncer, doenças cardíacas e ainda síndromes como a de burnout em que a pessoa assediada sente-se queimar e não tem mais interesse em estar ou retornar ao trabalho.
A sensação de desconforto e as dificuldades de relacionamento em nível profissional e pessoal, levam as vítimas de assédio a quadros de depressão e até mesmo suicídio e quem assedia e quem é assediado, não tem gênero nem idade, mas os dados comprovam que as mulheres são as maiores vítimas principalmente em países onde as disparidades de oportunidade de acesso ao emprego ou as colocações dentro do mercado de trabalho são maiores.
Os canais de denúncia e ouvidorias são excelentes alternativas para que a vítima ou alguém que tome ciência da situação de assédio moral denuncie. Muitas pessoas infelizmente não contam com uma rede de apoio (amigos, familiares e colegas) que possa contribuir para não chegarmos a casos extremos como o suicídio de quem é assediado. O Ministério Público do Trabalho conta com comissões de combate ao assédio muito eficientes, auxiliando a diminuição de casos e contribuindo para que essa violência perversa do cotidiano seja erradicada.
Desde 2001, existem projetos no Congresso com o objetivo de normatizar o assédio moral. Em março de 2019, a Câmara aprovou o projeto de Lei 4742/01, com a finalidade de tipificar no Código Penal, o crime de assédio moral no ambiente de trabalho. Destaque para a emenda da deputada Margarete Coelho (PI), onde o assédio fica caracterizado quando houver ofensa reiterada a dignidade do assediado, em que o resultado seja o sofrimento físico ou mental no exercício do emprego, cargo ou função. Existe a necessidade de representação contra o agressor e após feita é irretratável.
A relação entre o burnout e o assédio moral é o trabalho. A síndrome pode ocorrer sem o assédio moral, ou seja, os próprios limites e metas impostas para si podem dar início aos sintomas, que são psicológicos e físicos. O assédio moral pode contribuir para desenvolver a síndrome e acentuar seus desdobramentos. Em momentos como o que estamos vivendo, com novos modelos de execução das atividades laborais é fundamental que esses temas sejam divulgados, pois já se percebe o aumento de casos de assédio não apenas moral, como sexual e até de violência doméstica e também o desenvolvimento de síndromes, dentre as quais o burnout durante a quarentena.
E com a possibilidade do home office ser adotado em várias empresas e setores públicos, devemos prevenir o aumento significativo de mortes silenciosas no cotidiano do trabalho. Trabalhar não pode ser sinônimo de castigo e sim de complemento das realizações pessoais.
(*) – Pesquisadora em Qualidade de Vida no Trabalho, palestrante especialista em comunicação não violenta, gestão de conflitos, assédio moral e sexual e liderança, é consultora do RGL Advogados. ([email protected]).