O Brasil tem menos de 500 organizações listadas na B3, a bolsa de valores brasileira, enquanto países como a Austrália, por exemplo, conta com mais de 2.000 empresas listadas. Não há dúvidas que o mercado brasileiro de capitais ainda tem muito a evoluir e crescer, pois o potencial é grande.
Um grupo relevante de empresas de controle familiar tem demonstrado interesse em abrir capital, de modo a acessar recursos financeiros a um custo mais baixo do que fazer uso do patrimônio dos sócios, ou atrair um parceiro minoritário, ou vender ativos ou até buscar diferentes formatos de dívida. E, antes de tudo, é fundamental refletir sobre as reais motivações, desafios e consequências de preparar uma empresa para um IPO.
Esse movimento não pode ser visto como um fim, mas, sim, como um novo começo, onde há múltiplos sócios e, portanto, mais possibilidades e menos liberdade. E é essa perda de liberdade que normalmente é subestimada no processo. Com uma preparação adequada, com profundidade e tempo, minimizam-se as chances de surpresas negativas, pois haverá constantes cobrança e pressão por crescimento e melhoria de resultados por parte dos “novos sócios” não escolhidos pelo até então dono da empresa.
Visando um IPO, um “ator” importante é o Conselho de Administração (CA) e seus comitês de assessoramento. O ideal é que o CA seja formado muito tempo antes do IPO, até porque uma de suas atribuições é a escolha e avaliação do CEO e da diretoria executiva. Para o processo de abertura de capital e especialmente após a realização do IPO, há que se contar com um “time” forte e experiente.
É preciso selecionar quem irá liderar a empresa após a abertura de capital. O CEO (Chief Executive Officer) terá a responsabilidade pela elaboração dos planos de ação e sua adequada execução. E aqui há mais um ponto de atenção, uma vez que deve-se pensar também no seu plano de sucessão, independente do prazo para tal substituição, uma vez que esta preocupação torna-se pública e é importante se preparar para ela.
Em conjunto com o CEO, o CFO (Chief Financial Officer – Diretor Financeiro) passa a ser um dos principais interlocutores com o mercado. Esse profissional ocupa papel de relevante expressão perante investidores, imprensa, órgãos reguladores, entre outros stakeholders, pois a empresa passa a ser mais exigida em relação à qualidade da informação, controladoria, planejamento financeiro, além das exigências em temas como auditoria independente, gestão de riscos e compliance.
Toda empresa de capital aberto tem que designar um Diretor de Relações com Investidores – RI. Esse executivo precisa conhecer profundamente as informações setoriais no Brasil e no mundo, entender os resultados trimestrais e as projeções futuras, bem como os riscos e oportunidades dos negócios. Tem que combinar conhecimentos técnicos em finanças com visão de negócios e habilidades de comunicação e de relacionamento. Boa parte dos profissionais de RI cuida também de planejamento estratégico ou de fusões e aquisições.
Tanto para a preparação de um IPO quanto para o momento seguinte, o advogado societário, com conhecimento e experiência no mercado de capitais, é fundamental para garantir o cumprimento de todos os atos regulatórios e eventuais movimentações no quadro de sócios. Frequentemente ocupam posições na Secretaria de Governança (governance office), vinculada ao Conselho de Administração.
Outro profissional relevante em um processo de IPO é o responsável pelo Compliance, pela aderência a padrões e condutas. Em uma empresa de capital aberto, políticas de relacionamento e de administração de conflitos com partes interessadas, comunicação de fatos relevantes, remuneração estratégica, códigos de ética e canais de denúncias são apenas alguns dos exemplos que integram as práticas de compliance.
Em resumo, a decisão pela abertura de capital de uma empresa exige muito estudo e a montagem de um time experiente de executivos e assessores. Selecionar bem esses profissionais é um passo importante no sucesso da operação. Um de nossos principais aprendizados é que “partir” de uma empresa totalmente controlada pelos sócios fundadores (ou seus herdeiros) para uma companhia listada pode ser um processo mais difícil do que se imagina.
Afinal, empresas de controle familiar contam com agilidade na tomada de decisões e, ao tornar-se de capital aberto, passam a contar com mais instâncias decisórias, maior obrigação de transparência e, portanto, esse processo torna-se mais lento. Controladores e minoritários precisam ser protegidos no processo decisório.
É evidente que o principal impacto na dinâmica dos negócios após o IPO é o aumento da “formalidade”. Agendas que antes eram pautadas por estratégia e novos negócios, passam a ser parcialmente ocupadas com maior formalismo na aprovação de contas, registro de decisões e mais concentradas no regimento.
Em um ambiente de empresa de capital fechado, muitas vezes, uma determinada decisão é aprovada com dois telefonemas. Essa informalidade torna-se proibida em uma empresa de capital aberto. Qualquer decisão que precise passar pelo Conselho deve ser compartilhada simultaneamente com todos seus integrantes. Além disso, precisa ser formalizada em ambiente que garanta o registro e a confidencialidade total dos dados.
É inegável que muito antes da abertura de capital, a empresa precisa se preparar para responder a novas demandas e isso não significa apenas criar funções. Em muitos casos é necessário trazer novos conhecimentos, o que pode demandar a substituição de membros do time.
A abertura de capital é uma transição muito importante que coloca a empresa em um novo patamar, com o início de um novo ciclo na história da organização. Para tanto, é fundamental ter clareza sobre os motivos que justificam esse movimento, sob o risco de trazer enormes frustrações societárias, financeiras, familiares e até emocionais. E buscar contar com equipes profissionais de qualidade. – Fonte: (www.maio.work).