Luis Giolo (*)
Enquanto o mundo suspirava e sonhava com a aproximação do fim da longa pandemia, fomos surpreendidos com a eclosão de uma guerra em parte da Europa.
Em questão de dias, as economias dos dois países envolvidos — Ucrânia e Rússia — viraram de cabeça para baixo, enquanto o resto do mundo procurava dimensionar e absorver os impactos econômicos e sociais imediatos, como a alta do petróleo e de insumos, a possível escassez de commodities, a crise humanitária com os refugiados e a impossibilidade de fazer negócios com esses países.
Se você é um CEO operando na Ucrânia, sabemos que tudo aquilo que você vinha fazendo foi jogado pela janela, pois a questão mais premente tornou-se a sua sobrevivência, assim como a de seus colaboradores, além da preservação de instalações físicas, reservas econômicas e infraestrutura tecnológica, de forma a continuar operando, se possível.
Ao mesmo tempo, se você é um CEO na Rússia e não é favorável à guerra, precisa se preocupar em como irá seguir fazendo transações financeiras internacionais, uma vez que o país está sendo excluído do sistema global; em como evitar que seus colaboradores sejam presos ou sofram sanções governamentais, caso protestem publicamente contra a guerra, representando ou não a empresa; e que estratégias comerciais e de hedge adotar, já que a moeda local se desvaloriza rapidamente.
Ou ainda, no caso dos CEOs de multinacionais, como desativar toda uma operação a partir do momento que a matriz decida não mais operar naquele país em protesto contra a guerra. Como o CEO lida com tudo isso? Ou melhor, como se preparar para algo assim? Há diferentes formas de agir, mas que não são excludentes.
Os manuais de gestão de crise sempre separam as ações a serem feitas na fase emergencial, ou seja, assim que a crise começa, e as que devem ser feitas depois, na fase adaptativa, uma vez que a crise pode perdurar por alguns meses ou talvez até anos.
O CEO precisa adotar uma postura de guerra e decidir rapidamente os temas-chave e as decisões imediatas a serem endereçados – que podem significar a sobrevivência ou não da sua empresa -, focando ao máximo no que é urgente e importante, e deixando o resto para a fase adaptativa.
De uma certa forma, a pandemia deixou lições valiosas a esse respeito. A crise sanitária nos mostrou a importância de aspectos como resiliência, autocontrole, adaptabilidade e capacidade de transformação. Todos esses pontos tão são fundamentais para lidar com a situação atual.
Talvez um primeiro ponto de partida seja a capacidade de entender os paradoxos dos temas complicados versus os complexos.? No caso dos temas complicados, como o funcionamento de sua cadeia de suprimentos, por exemplo, é preciso entender como cada parte desempenha a sua função e atuar sobre cada uma delas, para que haja impacto no todo.
Mas, no caso dos temas complexos, como a incapacidade de seguir operando no mercado financeiro internacional, enviando ou recebendo divisas, por exemplo, é preciso tolerar a imperfeição e aprender novas maneiras de gerir seus recursos. Talvez trocando a moeda por algum outro ativo que possa ser enviado ao/ou recebido do exterior, como a criptomoedas, por exemplo. Um CEO que navegue bem nessa ambiguidade dos paradoxos pode se sair melhor.
Alguns CEOs irão atuar de forma estratégica, pensando rapidamente em como alocar seus (escassos) recursos, decidindo com quais negócios vale a pena seguir e quais aqueles que devem ser descontinuados. Eles conseguem ter uma visão de longo prazo e rapidamente traduzi-la para o presente, antecipando os riscos e sendo ousados nas suas decisões.
Outros focarão em executar da melhor forma possível, preocupando-se com a entrega de resultados no curto prazo para sobreviver à crise. Bolando “planos B” todos os dias e improvisando à medida que as variáveis mudam, mas sem perder o foco na operação, atuando de forma tática e estando próximos dos clientes e consumidores.
Finalmente, outros irão focar nas pessoas, garantindo que o time esteja alinhado sobre o que fazer, reforçando a cultura organizacional para que sirva como guia aos colaboradores e assegurando que as pessoas certas estejam no lugar certo. Pode parecer natural agir conforme as formas mencionadas (ou com elementos de todas elas juntos, de maneira concomitante) na hora da crise, mas como se preparar para ela com antecedência?
Como atestam os autores Ronald Heifetz, Alexander Grashow e Marty Linsky, da Harvard Business School (HBS), três habilidades são fundamentais na crise: promover a adaptação, abraçar o desequilíbrio e gerar liderança. Ao promover uma cultura adaptativa, ou seja, fazendo com que as pessoas e a organização estejam sempre pensando nas próximas práticas, preservando aquilo que é realmente essencial, o CEO se mantém permanentemente preparado para a crise.
Questionar os legados pode ser a chave para encontrar novas soluções para os temas complicados e complexos. Alguns CEOs fazem isso mantendo a mão no termostato, ou seja, sempre pressionando a organização a ir além, a entregar mais do que esperado, gerando desconforto nas pessoas para que lidem bem com a mudança, ao mesmo tempo que tomam cuidado para que elas não desistam, travem ou fujam da empresa.
Por fim, é fundamental se concentrar em delegar a liderança, para que os vários níveis da organização saibam o que fazer no momento da crise, já que ninguém é capaz de vencer uma guerra sozinho. É preciso assegurar que a linha de comando esteja espalhada pela organização, de forma que as ações sejam coordenadas tanto de baixo para cima quanto de cima para baixo.
Ainda que tais cenários de guerra pareçam ficção científica para quem está longe do conflito, não deixam de ser uma provocação interessante para os CEOs refletirem sobre como gerir suas atuais organizações e se preparam para o pior cenário possível. De olho no presente e no futuro.
(*) – É co-Líder da Pratica de Conselhos e Sucessão de CEOs da Egon Zehnder no Brasil (www.egonzehnder.com).