Claudio Cotter (*)
A rotina nos consome. Para quem vive em cidades grandes é praticamente impossível diminuir o ritmo. Se de um lado nos sentimos pressionados pela multidão e pela cobrança dos que estão a nossa volta, por outro nos sentimos solitários em muitos momentos com a sensação de um individualismo que incomoda e liberta ao mesmo tempo.
Neste contexto, as pessoas estão cada vez mais suscetíveis a quadros de depressão, ansiedade e dores crônicas, com consequente aumento do absenteísmo, que é o termo usado pela área de Recursos Humanos para as faltas no trabalho, gerando diminuição da produtividade individual e das empresas.
Ninguém se beneficia deste quadro e para mudá-lo precisamos entender a causa raiz do problema e como mudar esta realidade. Tudo começa com a mudança da perspectiva que temos sobre as doenças.
A dor crônica hoje é entendida como um processo mais parecido com o aprendizado, do que uma sensação. Ela se caracteriza por uma sensação que perdura por mais do que 3 meses ou uma dor que permaneça mesmo após a cicatrização de uma lesão.
Geralmente está associada a uma memória ou acontecimento específico, podendo estar conectada a emoções que tenham sido vivenciadas em algum evento marcante no trabalho ou na vida pessoal.
Isso não quer dizer que a dor seja “psicológica” como muitos costumam referir, mas entendemos que os sintomas crônicos normalmente são multifatoriais e que muito comumente associamos em formato de memória sensações físicas, com eventos e emoções, formando assim uma neuromatriz única, como qualquer outra memória guardada pelo nosso Sistema Nervoso.
A depressão já foi vista como um quadro que somente poderia ser tratado a partir de muita terapia e medicação, mas hoje a ciência nos mostra que exercícios físicos de leve a moderado também ajudam a melhorar os níveis de serotonina, sendo um recurso valioso nos tratamentos, juntamente com a psicoterapia e uma possível alternativa para abandonar a medicação à medida que o quadro estabilize.
É muito comum que quadro de dores crônicas sejam agravados pela depressão em um ciclo vicioso de piora, já que a depressão também pode ser agravada por dores limitantes e persistentes.
A ansiedade que para alguns pode ser uma grande tendência desta década, já foi prevista por muitos estudiosos e abordada de forma precisa nos livros e entrevistas de Zygmunt Bauman sobre o Mundo Líquido e a dificuldade que temos em lidar com a inevitável inconstância de nossa realidade e a velocidade cada vez maior com que tudo muda.
Durante o tratamento de dores crônicas, em muitos pacientes, percebemos o quanto a ansiedade atrapalha a evolução da melhora pela autocobrança de resultados e pela dificuldade em aceitar o processo de cura, que as vezes demora mais do que o esperado ou programado. Sempre uma questão de ajuste de expectativa. Já entendemos que as dores são multifatoriais e que quadros depressivos e de ansiedade podem piorar os sintomas, mas como devemos lidar com quadros tão abrangentes?
Não existe passe de mágica e nem pílula milagrosa, em geral é preciso uma equipe multidisciplinar para tratar estes quadros, mas a fisioterapia tem uma solução que aborda de forma bem abrangente este tipo de problema.
Primeiro, o fisioterapeuta hoje é um profissional que tem uma visão totalmente focada no diagnóstico funcional da doença, o que já é uma mudança de paradigma, já que por anos os diagnósticos foram direcionados para entender as doenças enquanto entidades e não os processos que levavam às doenças. Esta abordagem funcional prioriza entender quais são os fatores que geram piora do quadro e abordá-los de forma segmentada.
Um exemplo é a Fibromialgia, entendida como uma doença sem cura por muitos anos, que tem três aspectos que devem ser abordados: a dor itinerante (que é referida em várias partes diferentes do corpo mudando sua localização de tempos em tempos), a depressão e o sedentarismo.
Entendendo que desenvolver a capacidade para praticar qualquer tipo de atividade física é uma solução que irá abranger os três aspectos da doença, o fisioterapeuta irá trabalhar com o paciente o aumento de sua capacidade adaptativa aos exercícios, evitando chegar à fadiga, mas apresentando ganhos sistemáticos (Diversos estudos nos últimos anos tem demonstrado que exercícios físicos controlados são a melhor opção no tratamento de dores, depressão e sem dúvida no combate ao sedentarismo).
Segundo, o próprio processo evolutivo do paciente e aumento de sua capacidade em lidar com a dor e depressão ou ansiedade são uma mudança de perspectiva por si só, possibilitando uma visão diferente sobre a doença, como uma consequência de fatores que de certa forma podemos aprender a controlar, mesmo que não completamente, dando forças para superar situações cada vez mais complexas, gerando assim maior resiliência dentro de uma rotina estressante.
A conclusão é que, seja presencialmente ou online, a fisioterapia se mune de diversos recursos para lidar com estes processos de dores crônicas associados a quadros emocionais, mudando a perspectiva sobre a doença e orientando para que os pacientes superem seus limites físicos, muitas vezes impostos por crenças de que uma artrose ou hérnia de disco seja um quadro limitante e que o destino seja a cirurgia, como se bloquear o movimento de uma articulação ou colocar uma prótese, fosse solução para suas dores.
Claro que em alguns casos a cirurgia é a melhor solução, mas para isso é importante que esgotemos todas as possibilidades de tratamentos conservadores, ou seja, não cirúrgicos. As vezes a percepção inicial pós cirurgia é que o problema foi resolvido, mas com o passar do tempo vem as compensações e o corpo cobra caro.
Permita-se superar seus limites, mude sua perspectiva sobre as doenças, entenda mais a fundo e mapeie os processos que agravam ou que melhoram os sintomas para abordá-los com mudanças em seus hábitos diários, aumente sua capacidade adaptativa física, mental e, consequentemente, aumente sua produtividade no trabalho e a qualidade na convivência familiar.
Enfim, reverta um ciclo vicioso em um ciclo virtuoso de melhora sem esperar milagres, somente as consequências do que cultiva a cada dia na sua rotina.
(*) – É Fisioterapeuta, com pós em Medicina Psicossomática, co-autor do livro “Cura pelo Hábito” e idealizador da CM2 Clínica Multidisciplinar – Fontes:(www.clinicamultidisciplinar.com.br) e (www.curapelohabito.com.br).