Que palavra usar: Humanização ou Fragilização da lei?
J. B. Oliveira
A Dialética pode ser vista como a busca do ideal de equilíbrio. Isto porque os três elementos que a compõem caminham nesse sentido. O primeiro é a TESE. Em oposição direta a ela vem a ANTÍTESE (melhor seria ANTI-TESE), resultando desse choque a SÍNTESE que, por razão lógica, traz em seu bojo componentes de ambas as correntes, ou seja, teoricamente, atinge o equilíbrio, o denominador comum.
O sistema legal já foi muito rijo, inflexível, violento até. Tanto isso é certo que herdamos dos latinos a célebre expressão “dura lex, sed lex”: a lei é dura, mas é a lei. Na antiguidade, os delitos eram severamente punidos.
As primeiras normas legais aplicadas no Brasil foram as chamadas Ordenações Afonsinas, em que estava presente a pena de morte. Depois, vieram as Ordenações Manuelinas, igualmente prevendo a pena capital, que era executada pela forca, pela espada, na fogueira, pela entrega aos índios ou pelo esquartejamento, às vezes com o condenado ainda vivo! E tudo isso feito como forma de espetáculo, para que todos presenciassem a força da lei.
Após a Independência, tivemos nossa primeira Constituição, em 1824, em que foi mantida a pena máxima. Pouco depois, em 1830, o Código Penal então promulgado, previa essa punição extrema no artigo 38, aplicável nos casos de homicídio, roubo seguido de morte (latrocínio), insurreição e para escravos que obtivessem a liberdade pela força. A execução do condenado se dava pela forca. O detalhe é que ele era conduzido pelas ruas, como em fúnebre cortejo, exibido aos olhos de toda a sociedade. Essa pena foi largamente aplicada até 1855, quando se deu o famoso erro judiciário que resultou na execução de Mota Coqueiro. Só muito mais tarde, um desconhecido de nome Herculano, à beira da morte, confessou a seu filho que fora o verdadeiro autor do crime, abalando a sociedade e o Imperador, que passou a converter as penas capitais em penas de galés perpétuas. O Código Penal de 1890 e a Constituição Federal de 1891 afastaram essa punição, com ressalva apenas em relação à legislação militar em tempo de guerra. O mesmo procedimento adotou a Constituição de 1934. Já a de 1937 voltou a inseri-la e, curiosamente, o legislador comum, ao elaborar o Código Penal de 1940, não a incluiu. A Emenda Constitucional n° 1, de 17.10.1969, previa a possibilidade de incidência da pena capital. Por sua vez, o Decreto Lei n° 898, de 29.09.1969 criou a figura do crime contra a Segurança Nacional, estabelecendo a pena de morte no país. Nove anos depois, essa forma de punição é abolida pela Emenda Constitucional n° 11, de 13.10.1978. Hoje, na vigência da “Constituição Cidadã” de 5.10.1988, nem há condições de se falar de tão bárbara e primitiva punição para um ser humano.
Entretanto, a indiscutivelmente necessária humanização das penas, funcionando como ANTI-TESE em relação às antigas selvagens punições – que constituiriam a TESE – ainda não atingiu a SÍNTESE. Falta o equilíbrio que proporcione ao culpado um tratamento humano e garanta aos cidadãos o respeito ao seu direito de ir e vir, à sua incolumidade, e à sua segurança. Hoje o sistema de proteção legal à sociedade está tão fragilizado que se torna quase realidade o “cada um por si”, o que é demonstrado pela expansão das empresas de segurança privada, dos veículos blindados, das parafernálias eletrônicas de segurança nos edifícios residenciais e empresarias e – o que é pior – a síndrome do medo de assalto, roubo, sequestro, sequestro relâmpago e outros tipos de violência.
Não falta à Polícia e à Justiça a disposição de agir duramente contra a criminalidade, punindo os delinquentes. Porém, a ANTI-TESE trouxe tantas benesses e privilégios que essa disposição de agir torna-se quase inócua.
À guisa de exemplo, um recém-egresso do sistema penitenciário – onde cumpriu 14 anos de reclusão por homicídio – totalmente drogado, agrediu a própria mãe e o irmão. Antes, ele havia dito a ela: “Não me faça ter raiva de você. Você viu quantos casos de filhos que matam os pais? ”!
Chamada a Polícia, seguiram para o Distrito Policial, onde, antigamente, seria feito um B.O. e o agressor seria preso em flagrante delito… agora não. Está em vigor a Lei 9099/95 que prevê, nesses casos, não um Boletim de Ocorrência, mas um mero T. C., Termo Circunstanciado, e a liberação do “autor do fato” (não mais indiciado ou acusado). Se a vítima quiser o prosseguimento do caso, terá de formalizar representação contra o agressor e aguardar o desenrolar da ação no Judiciário.
Pois bem, no caso referido, as vítimas, morrendo de medo, foram para casa e enquanto o acusado permanecia por algum tempo na Delegacia para conclusão do T. C., juntaram o que puderam e foram em busca de um lugar seguro, pois a Polícia não podia prender o agressor, mesmo sabendo de sua periculosidade e do fato de, além do crime que o levara à prisão, ter cometido mais dois homicídios lá dentro!
Isso é humanização?
*J. B. Oliveira, consultor de empresas, é advogado, jornalista, professor e escritor.
É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Cristã de Letras.
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