A velha questão do “VOCÊ”…
“Me disseram” que esse tal VOCÊ tem uma história interessante e antiga, na gramática. É verdade?
É verdade, sim. Mas, para início de conversa, essa sua frase está, em termos de linguagem formal, errada! Dona Gramática diz que “não se inicia qualquer frase com pronome oblíquo átono”!
Puxa! Que “bacana”! Que coisa interessante! Mas… o que é mesmo pronome oblíquo???
Bem, vamos lá para mais um exercício de recordação. O PRONOME, categoria de palavra que serve para substituir ou acompanhar o substantivo, se divide em seis classes: Pessoal, Possessivo, Demonstrativo, Indefinido, Interrogativo e Relativo. O Pronome Pessoal, como o nome indica, é aquele que se refere às pessoas do discurso.
Que pessoas “é” essas?
Essas pessoas “são”: a primeira pessoa, a que fala: Eu e no plural Nós; a segunda pessoa, com quem se fala: Tu e no plural Vós; e a terceira, de quem se fala: Ele ou Ela e no plural Eles ou Elas.
Ué? E cadê o VOCÊ???
Bem, essa é uma parte da nossa conversa. Acontece que os pronomes pessoais se subdividem em três grupos ou três casos: Retos, Oblíquos e de Tratamento. Os pronomes pessoais do caso reto exercem a função de sujeito e são os que vimos agora há pouco: eu; tu; ele ou ela; nós; vós; eles ou elas. Já os pronomes pessoais oblíquos funcionam como complemento verbal e não podem exercer a função de sujeito. São eles: me, mim, comigo; te, ti, contigo; se, si, consigo, o, a, lhe; nos, conosco; vos, convosco; se, si, consigo, os, as, lhes. (Por isso, porque esses pronomes não podem funcionar retamente como sujeito da oração, é errado dizer: “para mim ler”.O certo é “para eu ler!).
E o tal Pronome de Tratamento, onde entra e para que serve?
Vamos ilustrar. Imagine que fôssemos receber a visita do Príncipe Charles da Inglaterra. A primeira preocupação seria: “Como devemos tratá-lo? Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Majestade, Vossa Alteza ou o quê? Aí está: Pronomes de Tratamento são formas de reverência, de respeito, que usamos para com certas autoridades ou personalidades. Levam o verbo sempre para a terceira pessoa.
E é aí que deparamos com o pronome VOCÊ. Inicialmente, era uma forma respeitosa: Vossa Mercê, mais ou menos equivalente ao nosso atual Vossa Senhoria. Mais tarde, reduziu-se a Vosmecê chegando, depois, à forma VOCÊ, usada no tratamento íntimo, especialmente nas regiões sudeste e centro-oeste, em lugar de Tu.
Ah! Entendi. É ”que nem” o USTED da língua espanhola, né?
Não! O espanhol mantém o pronome Usted como forma respeitosa, próxima do nosso “senhor”. Para o tratamento íntimo, usam regularmente o Tu.
E por que nós usamos o Você?
Inicialmente, por simplificação. A flexão verbal na terceira pessoa é bem mais fácil do que na segunda. “você quer, vocês querem; você fez, vocês fizeram” são formas mais simples do que “tu queres, vós quereis; tu fizeste, vós fizestes”. Há, ainda, a analogia, por exemplo, com o inglês, que usa You em qualquer circunstância, tanto no trato íntimo como no formal. You se aplica a tu, você, senhor, senhora, senhorita – tanto no singular como no plural – facilitando enormemente a comunicação.
Então o inglês não tem o tu?
Tem. É thou, mas não o usa a não ser em textos antigos ou poéticos. E, como em português, ele é bem mais complicado. As formas simplificadas “you are e you have”, seriam “thou art e thou havest”… Não é difícil que, em breve, o mesmo ocorra com nossa língua, e brasileiros de sul a norte, de leste passem a usar você em lugar de tu, levando este último para o arcaísmo, ao lado de Vosmecê!
J. B. Oliveira é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista.
É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras.
[email protected] – www.jboliveira.com.br