Heródoto Barbeiro (*)
Um vermelho no governo é impensável. Desde sua proclamação, nenhum comunista ocupou cargo importante na República. Nem na presidência, nem como ministro do Supremo Tribunal Federal.
Os prédios públicos ostentam um crucifixo, o que é um recado de que os ateus não têm vez. Há um estigma contra comunistas, que são responsabilizados pelo incentivo da luta de classes e o que mais a elite brasileira teme: uma reforma agrária com expropriação das terras sem qualquer tipo de indenização. Chamam os fazendeiros de “terratenientes” e as fazendas de latifúndios. O fato é que a maioria da população brasileira vive na área rural e é manipulada politicamente pelos caciques políticos, que se perpetuam no poder.
A ascensão social é um objetivo quase inatingível. Uma boa parte da elite política provém das faculdades de Direito de difícil acesso para os jovens das classes mais baixas. O capitalismo brasileiro é agrário e a mão de obra no campo vive uma etapa pré-capitalista, ou seja, não recebe salário, mas parte do que produz.
A Constituição garante a liberdade de reunião e a existência de partidos políticos de todos os matizes. Inclusive os de esquerda, onde se situa o partido comunista. Este é rotulado de subserviência a uma potência estrangeira propagadora do ateísmo. A religião católica, da maioria da população brasileira, lembra sempre a frase atribuída a Karl Marx de que “a religião é o ópio do povo”. O clero, também conservador, colabora com a direita para combater a infiltração comunista na cidade.
As Forças Armadas, principalmente o Exército, faz um pente-fino nas escolas militares para identificar a infiltração esquerdista por professores e carimbam alguns de serem “melancias”, ou seja, verdes por fora e vermelhos por dentro. Os militares se identificam com o velho positivismo, propositor de uma ditadura do presidente da República para manter a ordem social e impulsionar o progresso. O campo político para o crescimento de partidos de esquerda, socialista, comunista e anarquista é muito estreito em uma sociedade conservadora, machista e profundamente religiosa. Não se considera que um comunista possa fazer parte da cúpula do governo.
Não se pode contestar o resultado das eleições. A direita elege o presidente e a maioria de deputados e senadores. A ditadura chega ao fim e uma nova era é iniciada. Com o fim da ditadura vários políticos são anistiados. Luís Carlos Prestes, depois de dez anos na cadeia, é eleito senador da República pelo estado do Rio de Janeiro. Ele é o líder do Partido Comunista Brasileiro, posto na clandestinidade desde as revoltas que liderou e que ficaram conhecidas como Intentona Comunista. Os conservadores não se conformam com a eleição de Prestes e outros deputados comunistas.
O mundo vive em plena Guerra Fria entre o capitalismo e o comunismo soviético. O Partido Comunista Brasileiro tem forte ligação com Moscou e defende a luta de classes e a ditadura do proletariado. Os liberais, com apoio do presidente Dutra, defendem que não pode existir em uma democracia um partido que defenda a ditadura. A luta política chega ao auge com a cassação do registro do PCB e a perda de todos os mandatos, entre eles do escritor Jorge Amado. Para Prestes não resta alternativa senão voltar para viver na União Soviética e participar da organização de movimentos comunistas na América Latina.
O “Cavaleiro da Esperança” mergulha em novo exílio e só volta a participar da política brasileira na década de 1960. Sua última campanha foi pelas diretas já, onde o conheci quando apresentei em Guarulhos o comício Diretas Já!
(*) É jornalista do Record News, R7 e Nova Brasil (89.7), além de autor de vários livros de sucesso, tanto destinados ao ensino de História, como para as áreas de jornalismo, mídia training e budismo.