Nos últimos meses, foram lançados comercialmente nos Estados Unidos veículos autônomos com nível tecnológico no qual o motorista não precisa fazer nada, nem mesmo mexer o volante, pisar nos pedais ou olhar para o trajeto. No Vale do Silício, a terra das principais startups, serviços de robotáxi já operam nas ruas sem a necessidade de seres humanos no controle dos carros.
A novidade, que tem capacidade para revolucionar o mercado de transporte, foi recebida com empolgação por muita gente, mas também com pesados questionamentos éticos. Afinal, de quem é a responsabilidade no caso de acidentes graves ou fatais ocorridos com os veículos autônomos? A dúvida é pertinente, apesar de esconder uma Escolha de Sofia. Os críticos dessa tecnologia acham que não é correto do ponto de vista moral jogar a responsabilidade para a inteligência artificial, mesmo quando ela fez um trabalho melhor do que o das pessoas. Será?
Apesar de ser uma tecnologia em fase inicial de implantação, o nível de acidentes dos carros autônomos é muito mais baixo do que o representado pelos carros guiados por motoristas humanos. A Tesla, uma das montadoras líderes no uso desse recurso, afirma que seus veículos autônomos se envolvem em média em 1 acidente a cada 8,9 milhões de quilômetros rodados. Em comparação, os veículos sem automação se envolvem em 1 acidente a cada 1 milhão de quilômetros. Os dados são relativos à realidade norte-americana. No Brasil, ocorreram em 2021, segundo o Ministério da Saúde, mais de 33 mil mortes no trânsito. E, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), nove em cada dez acidentes de carro em nosso país são originados por culpa humana.
Como os números e os fatos indicam, os acidentes diminuem no trânsito com a automação, mas não desaparecem. E, quando eles ocorrerem, de quem será a culpa: do fabricante automotivo, da empresa da tecnologia empregada, do proprietário do automóvel ou da companhia de robotáxi? Essa indefinição tem apavorado muitas pessoas, que passaram a protestar contra as novidades e a boicotar a nova tecnologia. Diante da repercussão negativa, algumas cidades da Califórnia já proibiram os carros sem motoristas humanos em suas ruas.
Assistindo à discussão sobre esse tema, não consigo parar de pensar em como a mente dos seres humanos funciona para questões ligadas à moral e à ética. Uma pesquisa realizada em março pela American Autommobile Association mostrou que 68% dos norte-americanos têm medo dos carros autônomos. Esse tipo de veículo é visto mais como um inimigo da sociedade do que como um anjo-da-guarda.
Em outras palavras, uma parcela considerável da população prefere correr mais riscos de sofrer acidentes automobilísticos quando podem direcionar a responsabilidade e a culpa para indivíduos específicos no caso de problemas. Quando excluída a possibilidade de culpa, esse grupo se sente mais frágil e desamparado, mesmo com a queda substancial dos índices de acidente.
Sabendo disso, os profissionais desse setor precisam trabalhar melhor os componentes éticos. Só será possível diminuir ou erradicar o preconceito com a nova tecnologia a partir da criação de uma legislação completa e adequada.
Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.