O mundo financeiro recebeu um forte impacto quando, em 11 de janeiro, foi revelado um rombo de R$ 20 bilhões nos balanços financeiros da empresa Americanas S/A. Posteriormente, foi revelado que a estimativa do problema poderia chegar a R$ 40 bilhões.
A falha aconteceu na declaração das operações de risco sacado, comuns no varejo, na qual a varejista faz empréstimos com instituições financeiras para antecipar recebíveis a fornecedores. Elas devem ser registradas como “dívida com instituição financeira”, mas no caso das Americanas, entraram como “despesas com fornecedores”, o que minimiza seu impacto.
Segundo o ex-presidente da empresa, Sergio Rial, a falha acontece há sete ou nove anos, período em que as Americanas gozaram de boa reputação no mercado, tanto que integra índices importantes, como o Novo Mercado – com empresas de alto padrão de governança corporativa – e o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), dedicado a companhias com boas práticas de ESG.
Há, ainda, muita névoa em torno do caso, algo a ser investigado pelas instituições competentes, mas a falha já pode ser considerada um fato de governance washing, ou seja, quando uma empresa aumenta ou mente sobre seu comprometimento com compliance, ética e transparência.
Com as informações atuais, não é possível saber se esse falso comprometimento com as boas práticas de Governança Corporativa é uma falha de diligência – sem intenção de acontecer – ou uma fraude mesmo. Em ambos os casos, os responsáveis descumpriram seu dever fiduciário primário, que é a diligência.
Para a Americanas S/A, é uma situação complicada, afinal, é atípico um problema contábil aparentemente simples ter passado desapercebido por robustos controles internos e pela auditoria externa. O fato de os diretores terem vendido mais de R$ 240 milhões em ações no segundo semestre de 2022 também não ajuda.
O que podemos tirar dessa história toda? Em primeiro lugar, ficou visível que o mercado financeiro está todo conectado. A falha das Americanas impactou não somente seus acionistas e fundos que continham suas ações, mas outros fundos que continham suas debêntures, considerados de baixo risco.
Também é claro que toda manobra contábil realizada continuamente vira uma bola de neve e, cedo ou tarde, será descoberta. Práticas de Governança Corporativa sofrem quando a cultura de compliance de uma empresa não é consolidada, o que reforça a necessidade da agenda ESG.
Finalmente, ganha força o chamado capitalismo de stakeholders, quando uma empresa procura agregar valor a todas suas partes interessadas, uma oposição ao “lucro a qualquer custo”, quando somente acionistas se beneficiam, cenário que desfavorece a ética e a integridade.
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Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.