Falar sobre corrupção na saúde é sempre um tema sensível. Muitas vezes, tendemos a ver essa questão como algo distante do dia a dia de médicos e pacientes, mas a verdade é que a corrupção pode corroer a confiança no sistema de saúde, prejudicar os pacientes e desviar recursos que deveriam ser usados para salvar vidas. Nesse cenário, o compliance desempenha um papel essencial, principalmente ao promover a integridade nas decisões médicas e prevenir os perigosos conflitos de interesse.
A maior parte dos casos de corrupção na área da saúde envolve desvios que comprometem o dever ético dos profissionais em oferecer o melhor tratamento possível. Sem o devido controle, essas práticas podem transformar o atendimento médico em um jogo de interesses financeiros, onde o paciente acaba sendo deixado em segundo plano. É aí que o compliance se torna crucial: ele garante que as decisões médicas sejam tomadas com base no que é mais adequado ao paciente, e não no que é financeiramente mais vantajoso para a empresa ou para o profissional.
Lembro-me de uma conversa recente com um colega médico. Ele compartilhou os dilemas éticos que enfrenta quando representantes de empresas farmacêuticas tentam influenciar suas prescrições. A pressão para usar determinados medicamentos é constante, e ele reconheceu que, sem uma estrutura clara de compliance e ética, seria fácil ceder. A independência profissional é o que preserva a essência da prática médica mas, como ele mesmo disse, nem sempre é simples manter essa integridade.
A Anvisa, nossa principal agência reguladora, tem um papel fundamental na fiscalização de produtos de saúde, mas a supervisão da prática médica, em si, não é sua responsabilidade. Essa função cabe aos conselhos profissionais, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), que estabelecem e garantem os padrões éticos dos médicos. Essas regulamentações são essenciais para proteger a independência dos profissionais de saúde, permitindo que eles tomem decisões clínicas sem interferências externas indevidas.
Por outro lado, não é segredo que a indústria farmacêutica tem interesse em promover seus produtos, e os médicos, por serem os principais responsáveis por recomendar e prescrever medicamentos, acabam sendo alvo natural dessa pressão. Felizmente, existem regulamentações que visam mitigar esses conflitos, como a proibição de brindes e presentes aos profissionais da saúde, evitando que essas influências comprometam a ética médica.
Um exemplo comum que sempre gera discussões é o patrocínio de médicos para eventos científicos. À primeira vista, pode parecer uma prática inofensiva, já que promove a atualização de conhecimento. No entanto, se não houver transparência e regulação, isso pode facilmente desviar-se de sua finalidade original. Muitos argumentam que esse patrocínio deveria ser feito por meio de associações sem fins lucrativos, o que garantiria uma distribuição justa e imparcial, longe de interesses corporativos.
Quando observamos os recentes casos de corrupção na saúde, fica claro o quanto é importante garantir o respeito à prática médica e mitigar os conflitos de interesse. Para que isso seja eficaz, os Programas de Compliance devem focar não apenas em punir desvios, mas em preveni-los desde o início. Isso exige profissionais capacitados, um ambiente ético robusto e uma fiscalização rigorosa dos conselhos de classe.
Combater a corrupção na saúde não é apenas questão de seguir regras. Trata-se de garantir que o sistema de saúde funcione para quem mais depende dele – os pacientes – e de assegurar que os profissionais possam exercer sua função com ética e integridade, sem comprometer suas decisões por interesses alheios. Somente assim poderemos preservar a confiança no sistema e garantir que os recursos sejam utilizados de forma justa e correta.
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Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.