“Aquele acentozinho enjoado chamado crase…”
* J. B. Oliveira
Foi há um bom tempo. Uma articulista de um jornal diário de São Paulo escreveu em sua coluna “Panorama” um texto sobre um livro então lançado versando sobre – nas palavras dela – “Aquele acentozinho enjoado chamado crase”.
Não pude deixar passar. De imediato, datilografei-lhe (naquele tempo não se digitava, pois não existiam PCs… Havia alguns computadores, mas eram imensos, instalados em CPD – Centro de Processamento de Dados – igualmente imensos, nas empresas) minhas ponderações. Dizia a ela que “aquele acentozinho enjoado chamado crase” era tão enjoado que nem se chamava crase! Crase era o nome de um fenômeno gramatical. O nome do acento (se preferirem, “sinal diacrítico”) era – e ainda é – acento grave. É um acento agudo invertido, na contramão (`)! Atualmente ele serve apenas e tão-somente para sinalizar a crase. No passado, ele era utilizado também para indicar a sílaba subtônica!
Está bem, está bem, vamos explicar: anteriormente à Lei 5765/1971, sempre que uma palavra recebesse um sufixo iniciado por “z” ou por “mente”, o acento agudo (´) transformava-se em grave (`), como nos casos: café = cafèzinho; cafèzal. Só = sòmente. Aí ocorria, consequentemente, o deslocamento da sílaba tônica. Nos exemplos aqui vistos, a tônica que era FÉ, em café, passava a ser ZI e ZAL nas palavras derivadas cafèZInho e cafèZAL. A mesma coisa acontecia entre SÓ e sòMENte. Pois bem, como as palavras em português só podem ter uma sílaba tônica, a ex-tônica passava a se chamar sílaba subtônica (tronava-se, assim, uma sílaba que sofreu um um impeachment…).
Mas afinal, se o acento grave só indica a crase, o que então é CRASE?
Crase é simplesmente a FUSÃO de dois “As”, sendo o primeiro a PREPOSIÇÃO “A” e o segundo o ARTIGO DEFINIDO A (ou seu plural AS) ou ainda a letra “A” inicial de alguns pronomes demonstrativos. Portanto – sem que me entendam mal – a crase nada mais é do que um “A” fundido!
Isso se dá porque há verbos e nomes que pedem a presença da preposição A (dizia-se antigamente: palavras regidas da preposição A). Alguns exemplos: verbo IR = quem vai vai A algum lugar; verbo OBEDECER = quem obedece obedece A alguém ou a alguma coisa; verbo ASSISTIR (no sentido de ver, presenciar) = quem assiste assiste A alguma coisa. O adjetivo ÚTIL = o que é útil é útil A alguém ou a alguma coisa; o advérbio FAVORAVELMENTE = favoravelmente A alguém ou a alguma coisa.
Aí está o primeiro A – que é preposição. Se na palavra seguinte vier o outro A (ou AS) – que é artigo definido feminino, teremos a FUSÃO dos dois: um sobre o outro. E esse fenômeno – que se chama CRASE – é indicado pelo assento grave.
Assim: Vou A + A praia = Vou À praia. O militar obedece A + AS = ÀS normas da disciplina e hierarquia. O trabalho honesto é útil A + A = À prosperidade honrada. O juiz decidiu favoravelmente A + A = À ré.
Refiro-me A + Aquele = Àquele autor. Dirijo-me A + Aqueles = A + Aqueles políticos.
A crase será de rigor, ainda, nos casos de locuções adverbiais, prepositivas e conjuntivas (locução = duas ou mais palavras usadas em lugar de…). Adverbiais: às vezes; à noite; às 3 horas. Prepositivas: à frente; à beira de; à exceção. Conjuntivas: à medida que; à proporção que.
Outro uso é em relação a horas definidas: às duas horas; às quinze horas; às vinte e duas horas. Não se aplicará em caso de hora genérica: passarei em seu escritório a uma hora qualquer…
Há que se lembrar que seu uso se estende também aos casos em que estejam subentendidas as expressões “à maneira de” ou “à moda”: serviço à francesa (à moda); bigodes à Carlitos (à maneira de).
Por fim um lembrete: a não ser no caso visto acima – “bigodes à Carlitos” – a crase não ocorre diante de nomes masculinos, e isso é fácil de concluir: crase é a fusão da preposição A com o artigo feminino definido A (ou AS)! O nome masculino pedirá evidentemente o artigo masculino O ou OS!
Simples assim!
*J. B. Oliveira, consultor de empresas, é advogado, jornalista, professor e escritor.
É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Cristã de Letras.
www.jboliveira.com.br – [email protected]