A estrela sobe
O Brasil tem dessas coisas de só reconhecer a qualidade de determinados artistas depois que eles morrem
No caso da atriz, jornalista e apresentadora Vida Alves a situação foi diferente, porque ela se fez conhecer e reconhecer, graças ao trabalho que desenvolveu à frente da Associação dos Pioneiros Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira (Pró-TV), entidade criada pela própria atriz em 1995.
Ativa mesmo depois que a TV Tupi deixou de existir, no início da década de 1980, Vida Alves foi juntando material escrito e fotografado sobre os primórdios da televisão no Brasil. De outros colegas obteve câmeras e conteúdo eletrônico a ponto de já não caber mais nas dependências de sua casa no Sumaré, dando início assim à Pró-TV.
A criação de uma sigla serviu para mostrar que a entidade deixavas de ser apenas um acervo, para se transformar em um centro de estudos sobre o desenvolvimento da televisão no Brasil, premiando anualmente profissionais que se destacam na mídia e no meio estudantil, ao desenvolver estudos e trabalhos voltados à preservação da memória da televisão brasileira.
A própria Vida Alves é parte da história da televisão, ao protagonizar o primeiro beijo em uma telenovela. Foi no ano de 1951, em “Sua vida me Pertence”. No papel principal, a atriz foi beijada por Walter Foster, o galã da época. Depois, por coincidência, caberia a ela também protagonizar o primeiro beijo gay, em “Calúnia”, na mesma Tupi.
Foi em um episódio da série intitulada, “TV de Vanguarda”. Vida interpretou a diretora de um internato que se descobre apaixonada por uma colega de trabalho, interpretada por Geórgia Gomide. O programa ia ao ar tarde da noite e na época, 1963, o beijo entre duas mulheres acabou não tendo maior repercussão.
Essas informações, no entanto, são ilustrativas e servem mais de curiosidade, pois o grande legado de Vida Alves, de fato foi a Pró-TV que deve seguir adiante, tocada pela filha da artista, Thais Alves, juntamente com a nova diretoria eleita para a associação em setembro de 2016.
Vida era irmã da jornalista Helle Alves, que segue entre nós, cujo grande furo de reportagem foi localizar o corpo de Che Guevara, em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, fazer as imagens e encaminhá-las primeiro para o Brasil onde foram apresentadas em outubro de 1967 nos noticiários da TV Tupi e recentemente editadas no filme “Eu Vi”, do cineasta Fábio Eitelberg.
Era avó da cantora Tiê, que prestou sua homenagem nas redes sociais: “Dona Vida Alves fez a passagem. Minha amiga, minha avó, minha parceira, minha musa beijoqueira. 88 anos de muita luz, amor, arte e vida. Vire estrela e descanse em paz. Te amo para sempre e vou sentir saudades todos os dias”.
Vida Alves faleceu na última terça-feira, 3 de janeiro de 2017. Nascida em Itanhandu, no interior de Minas Gerais, esteve internada desde 28 de dezembro, e morreu de falência múltipla dos órgãos. Na página da Pró-TV no Facebook a entidade publicou uma nota de pesar. “A Pró-TV lamenta profundamente a partida de seu maior ícone, mas tendo a certeza de que o projeto continuará firme e com apoio de seus associados, além das entidades mantenedoras, como a Fundação Padre Anchieta/TV Cultura e a Rede Globo, conforme orientação da própria Vida Alves.
No site oficial da Pró-TV estão disponibilizados inúmeros depoimentos de personalidades que contribuíram para o engrandecimento da televisão no Brasil dos quais se destacam Walter Avancini, Fernando Faro, José Lewgoy e Eva Todor, entre outros. Também estão disponibilizadas as fotos da exposição “Silvio Santos, vem aí”, realizada no Museu da Imagem e do Som em parceria com o Museu Pró-TV, e ainda informações sobre os livros publicados pela entidade e nomes dos agraciados com os prêmios Pró-TV ao longo dos anos.
Nas redes sociais, na página de um grande admirador dela, o jornalista, escritor e produtor artístico, Elmo Francfort, que também é sobrinho e curador do museu da Pró-TV, escreveu. “Como sempre foi estrela; Vida Alves brilhará agora no céu e para sempre”. Depois me lembrei das várias entrevistas que fiz com a atriz cuja história foi marcada por beijos.
Depois de falar com ela sempre me vinha à lembrança a letra de uma antiga canção gravada por Roberto Carlos. “Aquele beijo que eu te dei, nunca, nunca mais esquecerei. A noite linda de luar, lua testemunha tão vulgar. Lembro de você e fico triste, até me dá vontade de chorar, sei que o nosso amor não mais existe, mas eu sempre ei de te amar”…
Contatos:
Pró-TV – Rua Vargem do Cedro, 140 – Sumaré – São Paulo – CEP: 01252-050 – Tel. 3872-7743 ([email protected]).
(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).