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Trabalho análogo à escravidão está longe de ser viés ultrapassado

em Artigos
terça-feira, 02 de julho de 2024

Laís Leite (*)

O ano de 2023 foi marcado por um número alarmante de denúncias de trabalho análogo à escravidão no Brasil, com um total de 3.422 registros em apenas 12 meses, representando um aumento de 61% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania.

Assim como o racismo, o trabalho análogo à escravidão tende a ser visto como uma questão superada — talvez porque ainda hajam aqueles que optam pela ignorância ou tragam consigo vieses enraizados de uma sociedade historicamente colocada à margem.

A publicação mais recente da Lista Suja, documento que divulga pessoas físicas e empresas que submetem trabalhadores a mão de obra forçada, jornadas exaustivas, condições degradantes ou restrição de locomoção, adicionou 248 empregadores em 2024, totalizando 654 e representando o maior número desde sua criação pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em 2003.

Esse cenário evidencia uma realidade desafiadora e inaceitável vivenciada no Brasil e, neste sentido, a questão requer uma resposta coordenada e vigorosa da sociedade civil, do governo e do setor privado. No entanto, a escassez de auditores fiscais é um desafio adicional que precisa ser superado, além dos cortes orçamentários dos últimos anos, que têm agravado ainda mais a situação, tornando mais difícil a realização de inspeções e a aplicação eficaz das leis trabalhistas.

Por isso, a criação de concursos públicos e o investimento na estrutura de fiscalização são essenciais para garantir inspeções regulares e uma resposta eficaz às violações trabalhistas. Diante desse cenário, é crucial que a pressão da sociedade civil continue a crescer, engajando cada vez mais pessoas nesta causa.

A recente exposição de trabalhadores em condições análogas à escravidão em um festival que ocorreu em 2023 reforça a importância de ações nesse sentido, que podem não apenas dissuadir os empregadores de recorrerem a essa mão de obra, mas também evitar reincidências. É importante engajar a conscientização dos direitos, além de denunciar por meio dos canais Disque 100 e o Sistema Ipê, possibilitando a investigação e a fiscalização nos estabelecimentos suspeitos.

É importante que exista uma consciência coletiva de que, entre as várias razões pelas quais o trabalho escravo persiste nos dias de hoje, está a desigualdade socioeconômica. Em áreas onde a pobreza é generalizada, as pessoas podem se encontrar em situações de vulnerabilidade que as tornem suscetíveis à exploração.

Exatamente por isso, a erradicação do trabalho análogo à escravidão exige uma abordagem multifacetada e colaborativa, que envolva todas as frentes de poder público e privado, além das organizações sociais. Não há dúvidas de que toda ação é importante, desde o compartilhamento de informações até o desenvolvimento de estratégias integradas para enfrentar essa violação grave dos direitos humanos.

(*) – É Coordenadora de Projetos do Sefras, que trabalha na promoção de direitos e a inserção econômica e social de populações vulneráveis (https://www.sefras.org.br/).