Mauro Penteado Cervellini (*)
A recente movimentação do governo brasileiro em relação às questões tributárias que impactam os patrimônios e sucessões trouxe à tona uma preocupação relevante para famílias que desejam garantir a continuidade de seu legado entre gerações.
No centro desse debate está o ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação), um dos principais tributos incidentes sobre heranças.
Além disso, a atualização dos valores de bens para fins de imposto de renda é outro ponto crucial que não pode ser ignorado, especialmente considerando as potenciais reformas em tramitação no Congresso.
As possíveis mudanças na incidência do ITCMD sobre planos de previdência – atualmente em debate na reforma tributária junto as propostas de descontos no imposto de renda para antecipação da atualização de valores de bens imóveis ou para a repatriação de patrimônios do exterior – têm o potencial de transformar profundamente as estratégias de planejamento sucessório.
Esse novo cenário levará as famílias a repensar suas abordagens, buscando formas mais eficazes de proteger e transferir seus bens. O Brasil se destaca por possuir um dos menores encargos sucessórios do mundo, uma característica que, embora favorável, está sob crescente escrutínio.
Não é uma surpresa que o aumento desses encargos esteja na agenda do governo. Esse contexto coloca em evidência a necessidade de se considerar a antecipação de eventos sucessórios como uma estratégia para mitigar possíveis aumentos futuros nos impostos.
Contudo, essa decisão vem acompanhada de um dilema: antecipar a sucessão pode significar incorrer em custos que, num cenário diferente, poderiam ser postergados. Uma possível abordagem estratégica para lidar com a incerteza é a sucessão em tranches, que consiste em dividir o processo sucessório em etapas.
Ao antecipar uma parte do patrimônio enquanto adia a transferência de outros ativos, as famílias podem se beneficiar de custos tributários potencialmente mais baixos agora, enquanto aguardam a definição de novas alíquotas no futuro. Essa estratégia pode oferecer um equilíbrio entre a proteção do patrimônio e a eficiência fiscal, adaptando-se às mudanças legislativas que podem ocorrer nos próximos anos.
Além das questões externas, como as mudanças nas leis e regras tributárias, é essencial que as famílias considerem suas próprias características ao planejar a sucessão. Cada unidade tem seus valores, dinâmicas internas e objetivos específicos que devem orientar as decisões. O planejamento, portanto, deve ser personalizado e refletir as necessidades e desejos particulares, garantindo que o processo seja o mais alinhado possível com as expectativas.
O planejamento sucessório se mantém como uma ferramenta indispensável para a preservação do patrimônio ao longo das gerações. Em tempos de mudanças tributárias, essa ferramenta deve ser flexível e adaptável, levando em conta tanto o cenário político-econômico quanto as particularidades de cada família.
A capacidade de adaptação é, portanto, fundamental para que a estratégia atenda às demandas do presente sem comprometer o futuro.
A antecipação às possíveis mudanças pode ser vista como uma medida prudente. A incerteza quanto ao futuro tributário exige que as famílias estejam preparadas para agir, mas sem perder de vista a necessidade de uma análise cautelosa.
Como disse o poeta português Fernando Pessoa, “navegar é preciso, viver não é preciso”. Parafraseando essa máxima, planejar é essencial, mas sem perder de vista a necessidade de adaptação frente às incertezas da tributação brasileira.
(*) – É Sócio e Head de Wealth Management da MZM Wealth (https://www.mzmwealth.com/).