Mauro Massucatti Netto (*)
É interessante fazer uma analogia sobre como alguns comportamentos recorrentes que são percebidos nos contratos podem ser comparados a pecados.
Pecados que as empresas poderiam deixar de cometer, e é claro que, neste caso, com alguns ajustes. Mas o fato é que os desequilíbrios contratuais são muito comuns no Brasil, e podem prejudicar o dia a dia empresarial. Isso porque um contrato deveria ser pensado como uma aliança entre partes, uma conjunção de esforços para alcançar o resultado querido por ambos. Mas nem sempre (ou muito raramente) é isso que está refletido nesses documentos.
A gula, por exemplo, a menos que estejamos falando de contratos de compra e venda de alimentos, está muito associada ao egoísmo, que pode ser encontrado no desequilíbrio obrigacional, quando se interpõe diversas obrigações à uma parte, desmesuradamente, sem uma contrapartida lógica e equivalente da outra.
A avareza, por sua vez, é tão evidente, que temos até a Lei da Usura , a qual regula as factorings, onde os juros se destacam, sendo essa um exemplo de como o “apego aos bens materiais e ao dinheiro” foram expressivos em determinados negócios jurídicos durante muito tempo.
Uma das analogias mais difíceis é a da luxúria, que está relacionada aos “prazeres da carne”, mas também pode ser entendida como um comportamento passional, o qual, por vezes, é transportado para o texto de alguns contratos, principalmente no sentido de cláusulas de proteção excessivas de uma das partes.
Já a ira, que é o estado de cólera ou desejo de causar mal a alguém, fica estampada quando em um contrato existem diversas cláusulas penais, perfeitamente identificadas para cada tipo de inadimplemento, seja ele de ordem obrigacional ou pecuniária.
Literalmente expressa pela vontade de possuir algo que pertence à outrem, a inveja é o resultado da expressão de cláusulas penais, culminadas pela ira, na qual o objeto resultante de um inadimplemento é a entrega completa daquilo que se está contratando, sem a devida contrapartida pela mesma (principalmente quando não há equilíbrio entre o que se deixou de fazer para alcançar aquele resultado).
A preguiça dispensa analogia, que é identificada de pronto no contrato final, quando este não tem uma topologia adequada, faltando unicidade de referências entre expressões, ou quando é feito simplesmente a partir de um “contrato modelo”, que, em geral, é um Frankenstein jurídico de outros documentos compilados aqui e ali.
Por fim, a soberba pode ser encontrada nos momentos de discussão textual sobre a intepretação de cláusulas contratuais produzidas por uma das partes, na qual a outra, por diversas vezes, substitui trechos por sinônimos diretos e sem prejuízo do conteúdo anterior, somente para reafirmar seu posicionamento. O objetivo de trazer estas analogias não é para dizer que você deve ser negligente com o contrato e não se proteger com determinadas cláusulas mais robustas.
Mas de auxiliar a análise e identificação daquilo que, de fato, é necessário, e aquilo que está desequilibrado. Isso porque, o crescimento piramidal (expoente da primeira revolução industrial) ainda deixa resquícios perniciosos, mesmo em um momento em que a atual sociedade busca um crescimento em bloco, no qual o sucesso do ecossistema reflete, diametralmente no crescimento pessoal e individual de cada indivíduo.
É preciso que as pessoas distanciem suas ações desses “pecados retrógrados” para que consigam constituir uma relação social e comercial baseada no crescimento conjunto.
(*) – É advogado e sócio do escritório de direito empresarial FASS.