Alex Catharino (*)
Muitas vezes, a defesa do livre mercado é associada ao liberalismo ou ao sistema capitalista.
A prática das livres trocas, contudo, é anterior a quaisquer tipos de sistema econômico ou modelo político, sendo intrínseca à natureza social da espécie humana. Apesar do termo “capitalista” ter sido utilizado como referência ao proprietário privado de capital, por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), no Manifesto do Partido Comunista, em 1848, as noções de “Sistema Capitalista” e de “Modo de Produção Capitalista” são empregadas, pela primeira vez, no Livro I da trilogia O Capital, de 1867.
Em diferentes passagens dessa obra, Karl Marx utiliza inúmeras vezes o conceito de “Modo de Produção Capitalista”. Contudo, a ideia de “Sistema Capitalista” aparece apenas quatro vezes em O Capital, sendo a primeira no capítulo 14 e as demais no capítulo 23. A popularização do uso da palavra “capitalismo”, para se referir ao livre mercado, anteriormente denominado “laissez-faire” ou “livre-cambismo”, foi obra dos socialistas, que se opunham a este.
Dentre autores favoráveis ao livre mercado, que adotaram o vocábulo “capitalismo”, merecem destaque Ludwig von Mises (1881-1973) e Ayn Rand (1905-1982). Todavia, o uso do termo foi rejeitado por alguns defensores da liberdade econômica, como, por exemplo, Wilhelm Röpke (1899-1966) e Russell Kirk (1918-1994), que consideram inadequado adotar a terminologia de seus adversários.
A questão foi resumida na encíclica Centesimus Annus, promulgada, em 1º de maio de 1991, pelo Papa São João Paulo II (1920-2005), quando, ao questionar se, após a falência do comunismo, o capitalismo deveria ser adotado por todas as nações, especialmente as do terceiro mundo, o Santo Padre afirma que:
“A resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por «capitalismo» se indica um sistema econômico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no setor da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de «economia de empresa», ou de «economia de mercado», ou simplesmente de «economia livre».
Mas se por «capitalismo» se entende um sistema onde a liberdade no setor da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa”.
O próprio Adam Smith (1723-1790) elaborou a moderna Ciência Econômica, fundado no paradigma newtoniano, como parte de um sistema mais abrangente, que, parcialmente, refletia o conteúdo do plano geral do curso de Filosofia Moral que ministrava na Universidade Glasgow, no qual, no primeiro ano, abordava temas de Teologia, Ontologia, Epistemologia e Lógica; no segundo ano, discutia Ética; no terceiro ano, dissertava sobre Política e Direito; e, finalmente, no quarto ano, tratava de questões práticas da ação moral do indivíduo em sociedade.
Um fragmento dos ensinamentos do moralista e economista escocês, na quarta parte de seu curso, apareceu em A Riqueza das Nações, de 1776, considerado o texto fundador do moderno pensamento econômico, cujo objeto central é desvendar os fatores determinantes do aumento da prosperidade dos povos, ao buscar a origem e as causas do notável avanço econômico e social do período, além de apresentar a produção em seu aspecto social, com destaque para a importância da divisão social do trabalho e do livre mercado.
Há uma relação intrínseca entre as análises desse tratado econômico e as reflexões de seu livro Teoria dos Sentimentos Morais, de 1759, em que é enfatizada a importância dos valores éticos para a convivência social. Antes mesmo da formulação inicial do liberalismo econômico na obra de Adam Smith, a importância do livre mercado foi acentuada por diferentes teólogos, filósofos, canonistas e juristas medievais e da escolástica tardia ibérica.
Todavia, a liberdade de trocas econômicas é uma prática intrínseca à própria natureza humana, sendo praticada desde a pré-história, antes mesmo do surgimento de governos.
(*) – É Historiador, Pesquisador da Fundação da Liberdade Econômica.