André Rehbein Sathler (*) e Valdemir Pires (**)
A política fiscal consiste no manejo das contas públicas e do orçamento, tendo em vista o duplo objetivo de assegurar condições de financiamento das atividades governamentais e contribuir para a manutenção do ritmo de crescimento econômico no curto prazo, evitando-se a deterioração no nível geral de preços (inflação).
Num país como o Brasil, a política fiscal, como parte da política econômica (que pode ser definida com o uso de recursos de poder para interferir no rumo e no ritmo da atividade econômica, no curto prazo), convive permanentemente com dilemas severos de gestão macroeconômica e também com deflagrações políticas, às vezes capazes de provocar instabilidade institucional.
Os temas fiscais, orçamentários e tributários raramente saem da pauta do governo, dos partidos e dos meios de comunicação de massas. Agora mesmo, após um período de “vacas gordas”, que permitiram a elevação dos gastos sociais, maior controle da dívida pública, algum investimento, sustentação de metas fiscais – período cujas receitas foram o alicerce para que a Lei de Responsabilidade Fiscal “pegasse”, a política fiscal volta a se deparar com mais do mesmo de antes.
– Com dificuldades para vender, os empresários cada vez mais voltarão suas cargas contra a pesada canga fiscal, não perdendo ocasião de se manifestar, bem como não hesitando em passar a sonegar ou a aprofundar essa prática para manter seu caixa no azul;
– Governos estaduais e municipais, sob ameaça de colapso financeiro, quando não já sob bancarrota, repetirão as procissões com pires na mão rumo ao Distrito Federal, de onde já se sabe que pouco poderá sair, se mantido o mínimo de prudência fiscal que ainda resta;
– Os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal passarão a ser pressionados, e muitos prefeitos se submeterão, voluntariamente, ao risco de penalidades inéditas, alguns sem culpa, porque não foram eles os responsáveis por secar a mina das transferências intergovernamentais que sustentam suas prefeituras: a desaceleração econômica é que está fazendo isso;
– A gritaria por corte nas despesas do governo se elevarão para além do suportável, com as tradicionais consequências nulas, pois onde cortar e a quem prejudicar, ninguém consegue dizer, a ira anti-pobres mirando contra os programas sociais insuficientes (e que mudaram a face do país recentemente) e os eficientistas de plantão clamando por maior controle de despesas – enquanto os grupos de interesse agem silenciosamente para não perder posição relativa; “keynesianos de quermesse” e “neoliberais de cassinos” chegarão quase a se matar;
– O governo não terá alternativa senão brigar por aumento da receita, ou seja, mais carga tributária; e sobre os mais pobres, se nada for feito contra a natureza já regressiva do sistema tributário brasileiro;
– O Congresso Nacional, marcadamente autocentrado oposicionista, seguirá sendo palco de uma luta em que a razão ou o bom-senso, o interesse nacional e a sensibilidade social não tenderão a dar o ar da graça, a não ser que fatos novos se apresentem antes;
– A opinião pública seguirá, como sempre, sendo formada no interior de um caldo de cultura de profunda ignorância a respeito dos números fiscais, remexido por colheres de pau manejadas por despejadores de caroços no angu, pouco e já indigesto.
Tudo com antes e, infelizmente, do mesmo jeito que será depois. Até que um dia mude, não pela ação de um estadista, de uma elite esclarecida, de movimentos sociais articulados, de partidos dignos desse nome, de insignes estudiosos ouvidos pelos poderes constituídos – mas pelo (pouco provável para breve) destravamento do crescimento do PIB (melhor) ou pela imposição de remédios fiscais gravíssimos do receituário em voga (pior a perder de vista).
(*) – É economista, doutor em filosofia e coordenador do mestrado profissional em poder legislativo da Câmara dos Deputados;
(**) – Economista, professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da Unesp.