Marilyn Hahn (*)
Tenho passado algum tempo em Bonn, a cidade da ONU, na Alemanha, e confesso que cada vez mais a agenda de desenvolvimento sustentável por meio das 17 SDGs (Sustainable Development Goals) tem sido um tema de estudo intenso. Os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável ou ODS foram criados com a intenção de produzir um conjunto de metas que conduzisse governos, empresas e sociedades para um mundo mais sustentável e inclusivo.
Eles servem como uma orientação para os países superarem os desafios ambientais, políticos e econômicos mais urgentes. Para cumpri-los, a inclusão financeira é vista como uma das principais medidas na economia real: ela aumenta o bem-estar econômico e a capacidade de famílias, do poder público e de organizações conquistarem proteção nas finanças, regularização de fluxos de caixa e, consequentemente, alocação de capital mais eficiente.
Entretanto, há um viés inconsciente de condicionarmos a inclusão financeira ao alcance de uma pessoa física que utiliza o Pix, por meio de uma conta corrente num banco, geralmente digital, ou ao percentual de bancarizados na população. Porém, a inclusão representa uma abrangência muito maior: prevê a capacidade de indústrias, pequenas e médias empresas conseguirem acesso ao capital, além de fomentar a infraestrutura e até mesmo o desenvolvimento do arcabouço regulatório do país, o qual deve criar mecanismos de forma segura para o surgimento de novos modelos de negócio na economia.
Outro ponto é em relação ao grau de amadurecimento do mercado financeiro, especificamente no que tange a sua migração para o digital. Esse movimento significa o aumento da governança e transparência nos dados, influenciando positivamente práticas governamentais, ambientais e sociais numa atuação quase que transversal. Ou seja, a inclusão financeira significa não apenas o acesso aos serviços do sistema bancário, mas também uma nação mais inclusiva e resiliente durante os ciclos econômicos e situações de emergência como, por exemplo, na pandemia de Covid-19.
No Brasil, o sucesso do programa de apoio do governo federal não ocorreu devido ao alto índice de população bancarizada, mas sim ao acesso a tecnologias de meios de pagamento funcionais, como o Pix, desenvolvido por um órgão regulador protagonista e com uma agenda de inovação extensa e diretiva. Vimos o poder de uma infraestrutura consolidada e tecnológica capaz de promover a inclusão em momentos de fragilidade: mais de 68 milhões de participantes e 5 milhões de microempresas foram impactadas.
Quando olhamos os indicadores de pessoa física, observamos um avanço significativo dos índices de bancarização desde a pandemia. O Banco Central aponta que, no final de 2022, cerca de 190 milhões de pessoas possuíam conta corrente ativa. Apenas cinco anos antes, em 2017, esse número não passava de 154 milhões de brasileiros, ou seja, apenas 57% da população. Alguns fatores contribuíram para essa escalada, dentre eles o lançamento do Pix em 2020, meio de pagamento que cumpriu exatamente o seu objetivo: diminuir a circulação de papel moeda na economia e trazer parte da população para o sistema financeiro nacional.
Além disso, o novo meio de pagamento somado ao lock down incentivaram a digitalização dos serviços financeiros. A maior oferta de super apps e contas digitais fizeram o brasileiro sentir confiança em aderir o produto. Outro fator relevante foi a criação de contas pelo governo para a distribuição do chamado coronavoucher, que trouxe para o sistema a população mais fragilizada, das classes C, D e E. Apesar disso, cerca de 14% dos cidadãos economicamente ativos ainda estão fora do sistema bancário, número alto se comparado ao de países como os Estados Unidos, com apenas 4,5% da população (cerca de 5 milhões de pessoas) sem acesso a qualquer serviço financeiro.
Quando olhamos os números do empresariado, não posso deixar de falar das micro e pequenas empresas, as quais são as principais geradoras de riqueza no comércio no Brasil: respondem por 53,4% do PIB desse setor (e 27% do PIB total do país), empregam 52% da mão de obra formal e correspondem a 40% da massa salarial brasileira. Historicamente, esse tipo de empresa possui altas barreiras no acesso a crédito.
Enquanto as linhas públicas não chegam nas pontas, bancos privados possuem resistência com o perfil, o qual ainda apresenta uma taxa de mortalidade bastante alta no Brasil, pouco histórico financeiro e muitas vezes um modelo de negócio ainda em fase de testes. Mesmo para os que conseguem aprovação do crédito, a taxa de juros alta torna o risco de inadimplência e de negativação do nome uma preocupação relevante.
Acredita-se que a adesão do open banking somado ao surgimento de novas fintechs de crédito especializadas podem trazer uma nova realidade para esse público, já que impulsionam a análise de dados, gerando ofertas mais customizadas. É provável que vejamos uma melhora também no lançamento do Drex, a moeda digital brasileira, com possibilidade de direcionar financiamentos às devidas finalidades, apoiando o empreendedor na gestão da empresa.
Trazer a população e os pequenos empreendedores para uma agenda mais inclusiva no mercado financeiro e de forma digital, como é o plano da agenda extensiva do Banco Central, pode melhorar de forma exponencial os indicadores nacionais nos próximos anos e fazer os brasileiros saírem de um cenário sem acesso algum a serviços financeiros, para um panorama em que adquire maturidade na área acompanhada de produtos de crédito, investimentos (com a ajuda do Drex) e outras iniciativas mais complexas.
O sucesso da agenda pode colocar o Brasil como um dos principais modelos mundiais de inclusão. Hoje, o país já é pautado nas agendas da ONU como exemplo a ser seguido no que diz respeito à cooperação entre estado, regulador, agentes privados e população. Entre 2022 e 2023, o território brasileiro já subiu 14 posições no Índice de Inclusão Financeira Mundial, chegando ao 21º lugar. Agora segue se posicionando para ser um líder da pauta no cenário global.
(*)- É CRO e cofundadora do Bankly (https://www.bankly.com.br/).