Felipe Dias, Gustavo Arbach () e Lucas Bizzo (*)
O ano de 2023 tem sido marcado por grandes mudanças legislativas nas mais diversas áreas, situação que carrega um desafio adicional para reguladores e empresas num período já conturbado. Isso não foi diferente para o mercado financeiro, setor cuja alteração regulatória, há tempos, vem sendo estudada e acompanhada de perto pelas autoridades – especialmente por conta do financial deepening. Soma-se a isso, a necessidade de caixa para o Governo Federal, que persegue uma meta de arrecadação audaciosa, visando o equilíbrio fiscal no país e uma política de gastos públicos mais expansionista.
Nesse contexto, foram editadas normas, tanto regulatórias quanto tributárias, com o propósito de consolidar a regulação de fundos – o que se chamou de marco regulatório dos fundos de investimentos – e aumentar o alcance do come-cotas (IRRF) sobre determinados veículos de investimento que, atualmente, contam com diferimento do imposto.
Na parte regulatória, produzindo efeitos desde 2 de outubro, a Resolução CVM nº 175, estabelece um novo marco, que busca modernizar o arcabouço regulatório atinente aos fundos de investimento, sistematizando e regulamentando às inovações trazidas pela Lei de Liberdade Econômica, bem como consolidar as suas regras em um único normativo, contando com uma parte geral aplicável a todas as categorias e uma parte especial que regula os Fundos de Investimento Financeiros (FIF) e os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
A norma trouxe diversas modificações que ganharam repercussão, considerando os seus impactos na atuação dos fundos, como é o caso da temática referente à classe de cotas. Agora, os fundos poderão estabelecer classes de cotas com direitos e obrigações diferentes, com a constituição de patrimônios segregados, o que não era autorizado. Isso implica dizer que as estruturas de investimento que, anteriormente exigiam a combinação de vários fundos, podem agora ser consolidadas em um único fundo com múltiplas classes.
Além disso, outras modificações vêm sendo discutidas, como a responsabilidade limitada aos cotistas; a insolvência civil para fundos de investimento; reconhecimento da prestação de serviços essenciais pelos gestores; flexibilidade na governança; criação de fundos socioambientais; flexibilização das regras de investimento para FIF; limitação da alavancagem para FIF; abertura para investidores do público em geral em FIDC; necessidade de registro de recebíveis em FIDC; além de outra modificações do novo marco em FIDC, como a dispensa para gestores, consultores e administradores em relação a créditos, dispensa de rating para cotas de FIDC para investidores qualificados, e outras alterações, onde gestor poderá contratar terceiro para validar o lastro dos direitos creditórios.
Cabe destacar que, a Resolução CVM nº 175/22 já foi alterada pela Resolução CVM nº 184, em 31/5/23, que introduziu outros nove anexos, a fim de reger os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) Fundos de Investimento em Participações (FIP), Fundos de Investimento em Índice de Mercado (ETF), Fundos Mútuos de Privatização (FMP-FGTS), Fundos de Investimento na Indústria Cinematográfica Nacional (FUNCINE), Fundos Mútuos de Ações Incentivadas (FMAI), Fundos de Investimento Cultural e Artístico (FICART), Fundos Previdenciários e Fundos de Investimento em Direitos Creditórios de Projetos de Interesse Social (FIDC-PIPS).
Os Fundos deverão se adaptar às alterações até 31/12/24, com exceção dos FIDC e FIDC-NP, cujo prazo é de até 1/4/24. As disposições referentes à taxa máxima de distribuição e aquelas relativas ao estabelecimento de limites para os FIF em relação ao risco de capital, entrarão também em 1/4/24. Para adaptação dos fundos, vemos desafios relativos a necessidade de novos arranjos comerciais, operacionais e o desenvolvimento de novos protocolos, com os processos deles decorrentes.
Já na questão da tributação, foi publicada ao final de agosto a MP 1184/23, em que se propõe o fim do diferimento da tributação de rendimentos em fundos fechados, que, em regra, passarão a se sujeitar ao regime de come-cotas, tal qual os fundos abertos.
Com a mudança, o come-cotas (IRRF) incidirá em maio e novembro de cada ano, sobre o rendimento semestral, com alíquota de 15% (fundo de longo prazo) ou 20% (fundo de curto prazo), sendo devido o IRRF complementar no resgate, amortização ou alienação, lembrando que o ganho na venda de cotas de fundos é sujeito às alíquotas regressivas (22,5% a 15%).
Além disso, a MP trouxe previsão de tributação dos rendimentos acumulados por fundos fechados – estoques – até 31/12/23, com alíquota de 15%, cujo recolhimento poderá ser realizado em cota única até 31/5/24 ou em 24 cotas mensais atualizadas (SELIC) a partir de 31/5/24.
No caso de pessoas físicas residentes no Brasil, reduz-se para 10% o IR sobre o estoque, caso opte-se pela antecipação do recolhimento do tributo. Para isso, a PF deverá recolher o imposto devido sobre os rendimentos acumulados até 30/6/23, em quatro parcelas mensais de 12/23 a 3/24; e do segundo semestre de 2023, até 6/24, à vista.
Ficaram excluídos da tributação periódica os (i) FIP que sejam classificados como “entidade de investimento” (existência de estrutura de gestão profissional, no nível do fundo ou de seus cotistas) e que cumpram os seguintes requisitos de regulamentação da CVM; (ii) FIA que detenham, pelo menos, 67% em ações (ou ativos equiparados) efetivamente negociados em bolsa e (iii) ETF regulados pela CVM, com cotas negociadas em bolsa ou balcão organizado e que não seja de Renda Fixa. Essas regras também são válidas aos FOF (Fundos de Fundos).
Também estão fora da nova tributação os FII e FIAGRO; FIPs e FIEE (Lei nº 11.312/06); FIP-IE e FIP-PD&I (Lei nº 11.478/07); Fundos de investimento de que trata a Lei nº 12.431/11; Fundos detidos exclusivamente por cotistas não residentes (art. 97 da Lei nº 12.973/14); Fundo de investimento em títulos públicos federais detido exclusivamente por cotistas não residentes (art. 1º da Lei 11.312/06); e as ETFs de Renda Fixa (Lei nº 13.043/14).
Alerta-se que, para os FII e FIAGRO, foi estabelecido que, a partir de 1/1/24, a isenção de rendimentos será válida apenas para fundos que possuam, no mínimo, 500 cotistas e cujas cotas sejam efetivamente negociadas em bolsa ou balcão organizado.
Por fim, especificamente para as situações em que os fundos possuem sua natureza de holding ou não apresentem os requisitos necessários à sua classificação como entidade de investimento, há a possibilidade de sua transformação em S.A., de maneira a preservar os rendimentos acumulados da tributação – dada a revogação, com efeitos apenas a partir de janeiro de 2024, do art. 50 da Lei 4.728/1965, devendo essa alternativa deve ser explorada caso a caso. É preciso aguardar a conversão da medida provisória em lei, especialmente com vistas as alterações que estão sendo discutidas no Congresso Nacional.
(*) são sócios, respectivamente, da área tributária e societária no Arbach & Farhat Advogados.
(**) Advogado da área societária do Arbach & Farhat Advogados.