As áreas de auditoria, controle e compliance atuam para prevenir e mitigar riscos e já utilizam a inteligência artificial a fim de coibir descaminhos. Os avanços nos últimos anos são inquestionáveis, mas a luta é eterna e precisa constantemente de novos aliados que atuem em prol da ética. Além de investimentos em robótica e em controles é essencial o apoio de quem faz parte da empresa. Refiro-me ao próprio funcionário que, muitas vezes, divide uma baia com um potencial fraudador.
O ato de delatar traz consigo diversas barreiras psicológicas, desde sentimentos de culpa com rótulos de ‘traidor’, até um temor de retaliação ou perda do emprego. O delator interno precisa de estímulos que lhe deem segurança, eliminando receios. Eis que surge o conceito que chamo de ‘Canal de Denúncia Premiada’; uma recompensa em nome da ética. Não posso garantir que seja uma ideia inédita no Brasil, mas confesso que em quase 40 anos imersos em auditoria ainda não presenciei um exemplo implantado com eficácia.
A busca purista pela ética já deveria ser um estímulo para que as pessoas delatassem más condutas de colegas. Mas sabemos que uma política de incentivo traz resultados significativos. A famosa recompensa ‘Wanted’ (procurado) tão emblemática nos filmes do gênero Velho Oeste, é exemplo clássico dessa prática, que ainda é usada como apoio para capturar criminosos. No Brasil, também temos esse artificio, inclusive com o apoio da lei 13.608/18, que obriga os organismo públicos a oferecerem canais de denúncia. Ela regulamenta o benefício financeiro a quem contribuir de forma concreta com informações úteis.
Outra analogia é com a Colaboração Premiada e os Acordos de Leniência. Os resultados obtidos pela Lava Jato e de cases pós Lei Anticorrupção, são impressionantes: foram cerca de R$ 14 bilhões de recursos resgatados, segundo dados divulgados, no final do semestre passado, pela Força Tarefa de Curitiba. Mas há uma diferença primordial em criar um Canal de Denúncia Premiada: quem colabora não faz parte da fraude.
Seria um funcionário que, movido por um sentimento de ética e por um prêmio atrativo, pudesse contribuir com a gestão e saúde financeira da organização, evitando perdas significativas. Fraudes de impacto profundo podem até significar a falência da companhia. Para viabilizar a denúncia premiada é preciso que a empresa ofereça estruturas de confidencialidade e segurança. Algumas multinacionais contam com terceirizadas que ficam responsáveis pela gestão desses canais, chamados lá fora de Ethics Line.
No caso de gestão própria, seletos responsáveis receberiam a denúncia e acionariam as áreas de auditoria e compliance para que a investiguem. Comprovado o descaminho, o prêmio seria concedido de forma confidencial, como nas premiações dadas pelo judiciário em casos de investigação criminal. Vale lembrar que nos Estados Unidos, há leis e programas que protegem o delator, chamado de whisteblowers (assopradores de apito).
As grandes corporações já possuem programas de apoio, mas falta o incentivo da recompensa. Segundo o estudo ‘Vigilância Contra Fraudes no Brasil’ lançado semanas atrás, pela Deloitte, em parceria com o IIA Brasil, IBGC e a ACFE, cerca de 90% de empresas entrevistadas dispõem de canais de denúncia estruturados.
Com relação aos prêmios, dependerão do tamanho do impacto que o delito causou ou causará à empresa. Ao evitar prejuízos de milhões, é justo que a recompensa seja generosa, podendo ser em forma de promoção de cargo, de valores financeiros ou até, como uma viagem de férias para o colaborador e sua família.
A instituição da Denúncia Premiada deve ser encarada como um ato de cumplicidade entre a empresa e o seu funcionário. É um pacto em nome da ética corporativa. Abrir esse canal representa um passo cultural importante, inclusive de cunho social, pois fortalece a confiança entre empregado e empregador, exaltando valores de cidadania e ampliando a corrente contra a corrupção.
(*) – É diretor-geral do Instituto dos Auditores Internos do Brasil – IIA Brasil ([email protected]).