Marcos Canetta (*)
Em julho comemoramos o Dia da Liberdade de Pensamento em boa parte do mundo e o início da derrubada do regime monárquico na França em 1789.
No Brasil ainda percorremos o duro percurso da falta de percepção histórica. Dias de significados importantes, em sua maioria, tem haver com consumo ou religião. A inflação bate mais uma vez em nossa porta, concomitante os atos de racismo e homofobia. As referidas cenas e atos mancham as páginas da história em pleno século 21.
Vergonhosamente essas atitudes tristes e fora de época invadem os meios de comunicação e reafirmam a nossa cultura empobrecida. A violência doméstica contra mulheres e crianças assusta qualquer pessoa que viva em país civilizado. O consumismo desvairado e irresponsável nos trouxe em seu encalço a mudança comportamental, climática e ética.
A beleza dos pássaros, rios, mares e montanhas, perderam importância para os “embebedados” por carros, espumantes, correntes de ouro e belos sapatos. Paralelo a tudo isso, dois grandes grupos humanos sofrem consequências drásticas do regime escravista: negros e indígenas. Regime este que vitimou milhões de seres humanos.
Foram 370 anos de escravidão, estupros e maus tratos. A perversidade deste regime anti-humano, defendido por muitos, até nos dias atuais, construiu uma lacuna de desigualdades que esbanja pobres, favelados, mendigos, analfabetos e desempregados em todo o território nacional. Entre os quase 100 milhões de negros no Brasil, 68% transitam entre a pobreza e a miséria.
A lamentável conclusão deste dado perverso, do ponto de vista econômico-social, é que quase não temos portas e nem janelas para as saídas necessárias para se chegar a uma Nação livre e realmente de todos. A Lei Áurea, acabando legalmente com a escravidão de negros em nosso país, infelizmente, ainda nos enclausura em seus resquícios escravistas. A abolição não foi conclusa e os escravocratas que só mudaram de roupa e trocaram os cavalos por carros, reinam quase que absolutos em nosso país; gastando muito dinheiro manchado de sangue negro e indígena.
Os risos se ouvem em todos os cantos, desde o início do século 16. Como também os choros e os gritos de dor. O dia 13 de maio nos maltrata quando, enquanto negros, olhamos para trás e vemos a perversidade e a forma bruta e desrespeitosa que nossos ancestrais foram tratados neste país que tanto amamos, trabalhamos e fizemos progredir. A nossa religião de matriz africana, única construída em solo nacional, a Umbanda, virou objeto de perseguição, ataques e desrespeito por religiões que se dizem de Deus.
Como aturar isso? Como não se contrapor a este fundamentalismo perverso que não aceita a convivência harmônica com outras ideias e práticas religiosas? O país é laico e as religiões representam as várias e inúmeras faces do Brasil. Somos um país negro, mestiço, branco, amarelo, multicultural e pluriétnico. Este formato histórico nos obriga a respeitar as diferenças. Qualquer outra atitude é insana, não merecendo atenção e respeito de outrem.
(*) – É mestre e professor na Faculdade Anhanguera de São José, produtor cultural, líder comunitário e militante do Movimento Negro Organizado de Santa Catarina.