Daniel Bijos Faidiga (*)
A pandemia alterou muito nossa percepção sobre a morte. Todos sabemos que ela é inevitável, mas sua palpabilidade se mostrou extrema.
Senão em março, certamente em abril de 2020, vimos momentos de verdadeiro pânico. Nenhum encontro presencial, estoque de comida, banhos de álcool nos pacotes de batata palha. Quase dois anos depois, a doença continua ali, mas é notável o quanto algumas das medidas como álcool e máscara são consideradas quase burocráticas por alguns. O que mudou? Agora as pessoas acham que não vão morrer? Precisaríamos de psicólogos para essa análise.
Do ponto de vista jurídico, o que notamos é que as pessoas preferem esquecer esse medo. A morte, ainda que continue rondando nosso dia-a-dia, não é um tema sobre o qual as pessoas queiram pensar. E isso fica claro quando pensamos em planejamentos sucessórios. A covid trouxe uma avalanche de pessoas finalmente aceitando a própria mortalidade e buscando medidas para garantir a organização do seu patrimônio e uma transição harmônica para os herdeiros.
Essa onda está passando. O tabu está voltando. Já voltamos a ouvir que pensar em Holding Familiar com a finalidade de sucessões é matar antecipadamente a pessoa!? As vantagens deste tipo de organização jurídica são incontáveis. Há viabilidade de redução de tributos, é possível evitar o inventário, acaba-se com qualquer risco de desarmonia familiar por conta de dinheiro. E, ainda assim, não podemos pensar na morte.
De certo modo, essa situação reflete também outra mazela social que nos leva a alguns atrasos. Nossas instabilidades econômicas e políticas são tantas, que em regra, os empresários têm dificuldades com planejamentos de longo prazo – neles se incluindo o sucessório. As brigas de herdeiros e seus custos são problemas para o amanhã. Nos preocupamos com a redução de custos e despesas, se elas forem imediatas. As reduções que só ocorrerão no futuro não nos interessam. Quem ganha com isso?
O governo, os advogados de família e sucessões, os profissionais de recuperação judicial, os leiloeiros que vão vender os imóveis objeto de brigas. Mas… novamente: não é um problema nosso, será dos nossos filhos. Pois é, justamente aqueles cujo bem-estar mais prezamos e para quem, normalmente, mais nos dedicamos. Acabamos formando uma contradição evidente. “Quero deixar patrimônio para meus filhos; mas não ligo se eles vão gastar em impostos e brigas”.
Abril de 2020 foi um momento em que muitos imaginavam um “novo normal” e que a crise sanitária seria um elemento capaz de nos tornar melhores. Nem tanto. É claro que algumas pessoas que sofreram perdas e sentiram na pele as dificuldades da desorganização de seus ancestrais compreenderam que esta não é uma situação que gostariam para seus descendentes.
Mas ainda estamos longe de uma consciência mais coletiva sobre isso. A morte continua sendo um medo arraigado no subconsciente do brasileiro, inclusive naquilo em que é possível evitar. Resta torcer para que aqueles que estão mais “antenados” com essa ideologia organizacional (mesmo que possam continuar temendo e evitando a morte como todos) comece a mostrar os benefícios do planejamento para os demais.
Mas isso ainda deve demorar mais uma geração, na qual os “sem planejamento” desejarão ser como os “com planejamento” – independente do tabu da nossa temporariedade.
(*) – É sócio da LBZ Advocacia e advogado especializado em planejamento patrimonial, nova economia e assuntos digitais (http://lbzadvocacia.com.br/).