Rafael Tridico Faria (*)
Com a pandemia de Covid-19, muitas mudanças foram aceleradas na área jurídica.
Diante da recomendação de isolamento social, a tecnologia se tornou uma aliada para muitos setores, mas ainda há muitos debates sobre seu uso no meio jurídico, como a realização de assembleias gerais por videoconferência – as chamadas assembleias digitais. Medidas como essa permitiriam simplificar e agilizar atos societários, assim como reduzir custos e burocracia.
Entretanto, muitos problemas latentes na área, como regras antigas e defasadas do Direito Societário, se tornaram grandes entraves para os empresários nesse momento. Por mais que as normas tenham sido adaptadas ao longo do tempo, algumas continuam gerando conflitos até hoje, como a necessidade de publicação de atos societários em jornais de grande circulação. O custo da publicação em jornais físicos é exorbitante e não fazem sentido no mundo moderno de hoje, em que cada vez mais predomina os meios digitais.
Outro exemplo é a necessidade de realizar assembleias e reuniões presenciais, quando já há meios seguros e eficazes para nos reunirmos virtualmente. É verdade que, até pouco tempo, o deslocamento para o local de encontro era apenas um incômodo para alguns acionistas ou sócios, mas, hoje, ficar em casa é uma questão de saúde pública em muitas cidades.
Na prática, muitas companhias fechadas e sociedades limitadas já realizavam reuniões virtuais, principalmente porque os acionistas e sócios já tinham um entendimento unânime sobre as ordens do dia. Entretanto, para as empresas com divergências entre as partes, há necessidade de obedecer às regras legais e, formalmente, convocar e realizar reuniões e assembleias presencialmente para que sejam discutidas e votadas as ordens do dia.
O mesmo ocorre para companhias abertas, que precisam obedecer às regras de convocação e realização de suas assembleias gerais. Outro empecilho é necessidade de modernização de uma regra da Lei das S.A e do Código Civil que prevê que a tomada de contas dos administradores, a deliberação sobre a destinação do lucro e a eleição de administradores devem ocorrer nos quatro primeiros meses do exercício social da companhia ou sociedade.
Ou seja: para muitas empresas brasileiras, a necessidade legal de realização destas assembleias coincidiu com o período de quarentena, impossibilitando o encontro presencial. Para minimizar esse problema, foi publicada a MP 931/2020, que estendeu para sete meses o prazo para realização das assembleias gerais.
A MP também possibilitou a realização de assembleias digitais, a regulamentação do voto à distância para os sócios de sociedades limitadas, associações e companhias fechadas, e a prorrogação de alguns prazos para companhias abertas, como o de apresentação de demonstrações financeiras.
Até o momento, houve poucas assembleias digitais de companhias aberta. Porém, é esperado um aumento significativo dessa modalidade conforme as empresas venham a se adequar. Por mais que existam custos de implementação momentâneos, o investimento pode compensar à longo prazo, facilitando a presença de acionistas minoritários nas discussões e tomadas de decisão.
Por enquanto, companhias fechadas e sociedades limitadas ainda precisam ter cautela com a realização de assembleias digitais, pois não são amparadas legalmente na MP, o que pode levar a discussões e eventuais anulações dessas atividades nessas empresas. As assembleias digitais foram criadas em regime de urgência e ainda estão sendo testadas pelas empresas.
Porém, é nítido o benefício que sua existência trouxe para a modernização do dia a dia societário. Certamente, a conversão da MP 931/20 em lei trará maior segurança jurídica para as empresas, ainda mais com uma maior regulamentação da atividade.
(*) – É especialista em Direito Societário e advogado no escritório Marcos Martins Advogados.