Reinaldo A. Moura (*)
Nunca em tempos de paz e mesmo durante a Segunda Guerra Mundial houve tanta escassez de insumos de todas as espécies no comércio mundial.
É evidente que uma crise pandêmica como esta que vivemos desestabilizou o fluxo de mercadorias no comércio global e os abastecimentos dos últimos meses são insuficientes para repor a demanda reprimida, pois até contêineres (20 e 40 pés) estão em falta. Muitos países que exportam manufaturados nestas embalagens e rotas não recebem matérias-primas (granéis) em contêineres “open top”.
Observe o que aconteceu com o frete: quadruplicou desde o início da crise sanitária, por exemplo, para o envio de um contêiner de Shanghai a Santos.
Li e assisti em lives que uma das soluções é o setor automotivo afastar-se do modelo “just-in-time”, e que o mesmo tem sido o vilão desta causa. Inclusive da falta de semicondutores.
Quem teve condições de estocar este escasso componente empregado em vários ramos de atividades nos últimos anos? Ouvem-se tantas bobagens que, mesmo 70 anos após a introdução do Sistema Toyota de Produção em suas fábricas e, em seguida, nos seus fornecedores no Japão, um país que se recuperava da Segunda Guerra Mundial jamais fizera estoques especulativos.
No máximo, organizava estoques de segurança de materiais importados, cujas fontes do outro lado do mundo traziam incertezas de abastecimento em certas épocas. E o princípio do “just-in-time”, hoje rebatizado de “Lean”, é a busca incessante da eliminação das perdas (tudo que não agrega valor ao cliente). Assim, manter um estoque, tal qual na gôndola de um supermercado, de itens estratégicos ou que estejam sujeitos a sofrer interrupção de fornecimento, sempre foi considerado um nível ideal de estoque em movimento.
Mas o que dizer das catástrofes imprevisíveis? A começar, ainda na década de 1970, com o embargo do petróleo; nos anos 2000, com o efeito do Katrina, os tsunamis no Japão, o ataque às torres gêmeas em Nova Iorque e, agora, com a Covid-19. Isso sem falar do susto do bloqueio acidental de um cargueiro na travessia do canal do Suez. Eliminar a filosofia JIT ou transformar os mínimos estoques em robustos por alguma fórmula mágica será a solução? Quem tiver este software de previsibilidade será o Maomé deste milênio!
Qual o custo de manter todos estes níveis de estoque na cadeia e o tempo para balancear os estoques? Confundida também com estoque zero, a filologia JIT era “odiada” por muitos compradores pois, a qualquer crise, eram criticados veementemente. Mesmo em tempos de greves setoriais mais frequentes, muitos compradores utilizavam-se de um calendário para antecipar compras de insumos buscando garantir o abastecimento de fábricas e do comércio.
A manufatura sempre conviveu com a oscilação no nível de estoque disponível e esta é uma das razões das linhas de montagem operarem com modelos mistos no mix da montagem de seus modelos, pois, caso falte algum componente, em seu lugar entra outro veículo e assim se mantém os recursos agregando valor (“ocupados”). Mas, neste momento, todos os veículos utilizam chips ou semicondutores, componentes vitais na montagem do veículo.
É impossível montá-lo e colocá-lo no pátio ou expedir para a concessionária e, assim que o chip chegar, simplesmente instalá-lo. Esta inovação trouxe estas consequências bem diferentes dos automóveis da antiga geração. Além dos atuais e escassos fabricantes de semicondutores destinados à automóveis, inúmeros outros produtos requerem chips e não é de um mês para o outro que se constroem novas fábricas de semicondutores.
Aliás, tivemos uma fábrica nos anos 1980/90 que, por força da lei de reserva de mercado, sucumbiu! Assim, conheçam mais e invistam no pensamento enxuto, just-in-time, Kanban, TPS – Sistema Toyota de Produção, metodologias e estratégias diferentes para gestão de estoques e, em todo momento, responda: qual a probabilidade de sua empresa ficar sem estoque de um item por qualquer risco natural ou acidental?
Enfim, vivemos em cima do “fio de uma navalha”!
(*) – É engenheiro industrial, ex-professor universitário, escritor, fundador do Grupo IMAM (Instituto de Movimentação e Armazenagem de Materiais) e autor do livro “Uma Autobiografia dos meus Primeiros 70 anos”.