Arthur Achiles de Souza Correa (*)
O assunto que tem causado mais polêmica entre os operadores do comércio internacional é a cobrança da demurrage.
Para quem não sabe, a demurrage nada mais é do que um pagamento que o importador ou exportador que atrasa a devolução do contêiner deve fazer para a empresa de transporte. A discussão sob o aspecto jurídico se materializa – quase em sua totalidade – em duas correntes distintas.
Uma define juridicamente a sobre-estadia como sendo uma indenização ao exportador pelo prejuízo que teve de suportar pelo atraso na devolução dos contêineres. A outra corrente define juridicamente a demurrage como sendo uma multa contratual pelo descumprimento da obrigação em devolver o contêiner no prazo combinado.
Em meu entendimento – quer se considere a demurrage como uma indenização ou como multa contratual – o ponto principal, o elemento nuclear da controvérsia é a razoabilidade. Pagar sim, mas sem abuso
Obviamente que, em se tratando de um contrato, há que se considerar que o importador ou exportador assinou o compromisso entre as partes. No jargão popular, o entendimento é de que “o combinado não sai caro”.
Sobre esse ponto de vista, acrescento que o exportador ou importador não tem abertura para negociação com as empresas sobre os valores relativos à sobre-estadia. Ele aceita os termos ou não contrata o serviço. Mas é importante acrescentar que a relação jurídica foi estabelecida em um contrato. Portanto, seja a definição pela indenização ou pela multa, não haverá modificação quanto à necessidade de se analisar a situação de acordo com o princípio da boa fé.
Ao se considerar a cobrança pelo atraso na devolução de contêiner – ainda que se tenha um contrato assinado com especificação desses valores – deve-se buscar acima de tudo o equilíbrio da relação contratual, levando-se em consideração a impossibilidade de se questionar as condições no caso de demurrage.
Jamais será o caso de defender ou incentivar o descumprimento do contrato ou o atraso no cumprimento de seus termos, mas é preciso buscar justiça para que não haja enriquecimento sem causa.
Cobrar o valor que é justo. Se uma transportadora alega que tem prejuízos porque o atraso na devolução impede que alugue a outro interessado, há que se levar em consideração que jamais, reforço jamais, haveria um ganho na locação para outra pessoa num valor 10, 20, 30 vezes maior. Isso pode mudar, sim, mas é preciso boa fé por parte dos importadores e exportadores para que planejem melhor suas operações para evitar os atrasos.
Além disso, eles têm que se organizar, buscar apoio, unir e forçar as negociações. Não obstante, deve-se buscar também de forma coesa o apoio da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), do legislativo e do judiciário. Quem deve tem que pagar. Mas é importante se estruturar e buscar um profissional especializado, cujo trabalho vai além da realização de uma boa defesa junto ao judiciário numa ação de cobrança.
Se o legislativo federal enfrentasse a questão e determinasse os parâmetros para esta cobrança, obedecendo aos princípios exaustivamente apresentados pelos advogados, a controvérsia chegaria ao fim. Da mesma forma, o judiciário e a ANTAQ, porque tanto as companhias transportadoras quanto os exportadores e importadores, estão num limbo jurídico que é prejudicial a todos.
Não há como negar que determinar a bancarrota de um exportador por conta de uma ação milionária, que supera os ganhos de um ano inteiro, desatende também o princípio da preservação da empresa, destrói postos de trabalho e prejudica a economia. É uma questão pública.
Sem falar que todos os valores pagos vão para companhias no exterior, ou seja, não é dinheiro que é injetado na economia brasileira. Portanto, desculpem-me os não-patriotas, não é interessante para esta grande nação.
(*) – É advogado especialista em direito aduaneiro, empresarial e internacional. Foi membro da Câmara Britânica de Comércio (2008 e 2019) e atua com direito tributário, aduaneiro e internacional há 18 anos.